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Turquia: um golpe em resposta ao golpe?

Erdogan afirma agir dentro da legalidade, mas decretação de estado de emergência fortalece poderes e aumenta a repressão

Presidência da República da Turquia

Erdogan estaria se aproveitando da tentativa de golpe para se livrar de setores da oposição turca

O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, assegurou, em entrevista à Al Jazeera, que está agindo dentro da lei e que a democracia não corre perigo no seu país. Mas os sinais são preocupantes demais e apontam na direção de que Erdogan esteja respondendo ao fracassado golpe de estado que tentou derrubá-lo com um outro golpe – no estilo kalter Putsch, soft coup, ou “golpe branco”, com um modelo semelhante ao brasileiro, embora com efeitos imediatos muito mais dramáticos.

Dados colhidos no The Guardian, BBC Brasil e na própria Al Jazeera apontam que:

1. O estado de emergência foi decretado por três meses. Este estado permite, entre outras coisas, que o Poder Executivo legisle por decretos e limita os direitos constitucionais. Sobre isto, Erdogan argumenta que o mesmo ocorreu na França e na Bélgica depois dos atentados recentes nesses países.

2. A represália a pessoas supostamente envolvidas no golpe fracassado está atingindo níveis assustadores. O número de expurgados e detidos está chegando a 60 mil. Vários setores estão sendo atingidos pelos expurgos e prisões. O número de generais e almirantes presos subiu a 85. Entre os militares, o total de detidos é de 7.500. Há 1 mil policiais presos e 8 mil expurgados. No Poder Judiciário, o número de expurgados sobe a 3 mil, incluindo quase 1.500 juízes. Na Educação, os expurgos atingiram 21 mil professores, quase 1.600 autoridades universitárias, entre reitores e diretores, além de 15.200 membros do Ministério da Educação. A esses, somam-se 1.500 funcionários do Ministério das Finanças, quase 500 religiosos e professores de religião, 400 funcionários do Ministério de Políticas Sociais, 260 membros da equipe do primeiro-ministro Binali Yildirim e 100 agentes do serviço de inteligência. Esses são apenas alguns números dentre os atingidos pelos expurgos. Os professores universitários foram proibidos de viajar para o exterior, e os que estão fora do país receberam ordem de retornar.

3. A acusação maior contra Erdogan é a de que ele está se valendo da oportunidade para não só reprimir os envolvidos com o golpe, mas para se livrar de vários setores que se opõem a seu governo e a seu partido, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento. Este partido não é abertamente islamista, mas analistas afirmam que ele favorece uma orientação muçulmana suni. Erdogan acusa os seguidores do líder religioso Fethullah Gülen, que já foi seu aliado, hoje auto-exilado nos Estados Unidos, como articuladores do golpe, e o próprio imã como seu mentor, o que este nega.

4. As suspeitas sobre o alcance da repressão foram acrescidas pela declaração recente de Erdogan de que considerava o golpe do fim de semana “um presente de Deus”. Além disso, ele sempre defendeu uma grande reforma no sistema nacional de ensino, falando na construção de um “país devoto”. Isso pode significar uma ação mais intensa contra a tendência dos secularistas em todo o aparelho de Estado e até fora dele. É bom lembrar que as tendências secularistas sempre foram muito fortes nas Forças Armadas turcas, sendo responsáveis também por golpes na conturbada política turca. Outras tendências religiosas rivais dos sunis, como os alevitas, podem também estar sendo atingidas.

5. O presidente declarou à Al Jazeera que, se o Parlamento aprovar a reintrodução da pena de morte, banida há 12 anos, caberá ao governo implementar a decisão. A readoção da pena capital prejudicaria definitivamente qualquer intenção da Turquia quanto ao ingresso na União Europeia, mas Erdogan declarou que os governos da U. E. deveriam respeitar uma decisão turca nesse sentido, caso ela venha a se concretizar.

6. Já antes da tentativa de golpe, Erdogan vinha mantendo uma linha de endurecimento em relação aos movimentos curdos, que ele considerava inimigos mais importantes do que o próprio Estado Islâmico. Fica por verificar o que acontecerá com esta tendência.

Erdogan – nascido em 1954 – foi jogador de futebol. Tornou-se prefeito de Istambul em 1994, mas foi deposto em 1998, acusado de incentivar a intolerância religiosa. Fundando o PJD (AKP, na sigla turca), Erdogan tornou-se primeiro-ministro, cargo que exerceu de 2003 a 2014, quando foi eleito presidente. O sistema político turco é parlamentarista, mas Erdogan é partidário de uma presidência forte, como acontece na França.

Seu relacionamento com a mídia é tenso, embora haja publicações, rádios e a tevê que o apoiem. Em várias ocasiões proibiu o acesso a sites e portais como o Youtube, Facebook e Twitter. Agora proibiu o acesso ao Wikileaks, por este ter divulgado mensagens de seguidores do AKP.

Em suma, se o golpe fracassado não entusiasmou democratas, a situação, sob Erdogan, tampouco é entusiasmante.

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