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Diários do México: viagem aos primórdios do nosso continente

Templos, ruínas, literatura, revoluções. A história pulsa na capital mexicana, mas o país está longe de ser apenas tradição e passado

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Estátua mostra riqueza da cultura pré-colombiana no México, destruída pela chamada Conquista espanhola

Ao ganhar o prêmio Alfonso Reyes (grande escritor mexicano), o professor Antonio Cândido viu evocado este seu comentário feito certa vez para um entrevistador, Jorge Ruedas: “Julio Rocca (ex-presidente argentino) dizia que todo latinoamericano tem duas pátrias, a sua e a França; eu digo que todo latinoamericano tem duas pátrias, a sua e o México”.

A frase se referia à enorme importância da literatura mexicana no continente, mas também ao fato de que durante todo o século 20, junto depois com a Revolução Cubana, a Revolução Mexicana de 1910 marcou o continente como um dos mais importantes brados anti-imperialistas de sua história.

A revolução – uma das primeiras, senão a primeira a ser documentada extensamente pelo cinema – abriu as portas para uma reforma agrária de porte, além de ter consagrado líderes como Pancho Villa e Emiliano Zapata (ambos assassinados). Possibilitou governos como o do “populista” (termo detestado e manipulado pelas direitas) Lázaro Cardenas.

Com este passado nas mãos e no coração aportei ao lado de minha companheira, Zinka, na Cidade do México, no domingo, 28 de fevereiro, a 2.400 metros de altitude, sendo recebido na casa de meu amigo Luis Hernandez Navarro e de sua companheira, Alice – Luis é um dos mais importantes jornalistas do país, trabalhando no independente La Jornada.

No dia mesmo da chegada fomos à Praça da Constituição, conhecida como El Zocalo, onde estão a Catedral, o Palácio do Governo, e a entrada para o Templo Mayor, as ruínas de Tenochitlan, a capital Azteca destruída pela Conquista espanhola.

Com o cansaço de 14 horas de voo e o jetlag de sete horas a menos, só tivemos ânimo e tempo de visitar o Templo Mayor. É de tirar o fôlego, pelo tamanho, pela riqueza arquitetônica, – apesar do estado de ruína e por isto mesmo –, como cicatriz da destruição enorme que a Conquista europeia trouxe para o nosso continente.

A catedral, imponente, sem dúvida, tida como o maior templo católico da América Latina (hoje talvez o da evangélica Igreja Universal, em São Paulo, rivalize), foi construída em cima dos alicerces do templo arrasado. Agora se pode ver, através de vitrinas no solo, os alicerces, com pinturas e esculturas, do antigo templo. Mas ao lado, a partir da década de 70 do século passado, descobertas por eletricistas que faziam trabalhos subterrâneos, novas e espetaculares ruínas vieram à tona.

Nos seus labirintos, que estão entre os locais mais visitados no México, o visitante vai descortinando as esculturas anímicas de animais “deusificados” e as balizas de uma civilização desaparecida para dar lugar à nossa. Mais adiante, no Museu ao lado, milhares de peças encontradas nos dão as mensagens fragmentadas deste universo silenciado pelos conquistadores, mas que hoje, eloquentemente, retornam à vida perante nossas retinas.

Mas o México está longe de ser apenas tradição e passado. Temas trepidantes sacodem o presente: o caso candente de Ayotzinapa, a Escola Normal do sul do país que em setembro de 2014 teve 43 de seus estudantes sequestrados pela polícia e “desaparecidos” – uma cicatriz que não se fecha. A maior suspeita é de que os estudantes foram entregues pela polícia que os sequestrou a uma quadrilha de narcotraficantes para que fossem assassinados e sumidos os seus corpos.

Num aviso aos navegantes brasileiros que querem reduzir a cinzas a Petrobras, o La Jornada daquele domingo mesmo apontava que a Pelmex, a petrolífera mexicana, acompanhando algumas de suas co-irmãs internacionais, registrou em 2015 um prejuízo de 325 bilhões de pesos mexicanos, cerca de R$ 71,5 bilhões, prova de que o mercado não está nem mesmo para peixe fóssil.

Ou seja, a Petrobras não está tão mal assim, como querem os defensores de sua, digamos, “neutralização”, eufemismo e passaporte para a sua privatização. Aliás, pelo que vejo no noticiário, esta é a nova boia de salvação tentada pelo deputado Cunha, aquele que, como o vampiro dos filmes B (ele é filme D ou E) da Hammer, morre a cada dia para ressuscitar no dia seguinte.

A FAO (organização da ONU para alimentação e agricultura) realiza aqui, por estes dias, sua Conferência Latino-americana, lançando um alerta: no nosso continente ainda há 34 milhões de pessoas que passam fome diariamente, enquanto 125,4 milhões de seus 570 milhões de habitantes são obesos. Há que considerar que décadas atrás a primeira cifra, percentualmente, era bem maior, mas, em compensação, a segunda era bem menor…

Despeço-me por hoje, mas aguardem: anteontem, segunda, fui às imortais ruínas de Teotihuacán, coisa que eu ambicionava fazer desde que vi, nos idos dos anos 50, nas matinês dominicais dos cinemas de Porto Alegre, o também imortal Vera Cruz, filme de Robert Aldrich, com Gary Cooper, Burt Lancaster, figurantes como Charles Bronson e Ernst Borgnine (maus pra burro) e apresentando Sarita Montiel…

Fica para a próxima.