Dois toques

Quem será o sucessor de Blatter e que caminhos deverá trilhar a Fifa?

Só trocar de mandatário, sem alterar a estrutura atual, vai manter tudo como dantes e, sob a ponte chamada Fifa, continuarão a passar muitas águas. Turvas, é claro

Marcello Casal Jr. / ABr / Wikimedia Commons

Sepp Blatter pode estar no centro de novas acusações de corrupção na Fifa, que terá que mudar condutas

Em primeiro lugar, vamos qualificar a renúncia de Blatter. Ele conta permanecer no cargo no mínimo até dezembro deste ano, pois chamou a nova eleição para uma data ainda não definida entre este mês e março de 2016. Até lá, provavelmente, tentará por a casa em ordem, se é que isto ainda é possível.

Corre a informação na mídia internacional de que ele, Blatter, já estaria sob investigação do FBI. Também corre a informação de que os outros cartolas da Fifa que foram presos em bloco, incluindo José Maria Marin, estariam sendo pressionados ou “convidados” a fornecerem elementos para a acusação contra Blatter. Como neste meio impera primeiro o vale-tudo e depois o salve-se quem puder, desta turma pode-se esperar tudo, menos lealdade, sequer entre eles mesmos.

As outras especulações correntes exploram a sucessão de Blatter, e a penca de nomes é enorme, embora os que tenham chances reais sejam poucos.

O primeiro nome da lista é o do candidato que concorreu contra Blatter, o príncipe jordaniano Ali bin al-Hussein, irmão do rei. No primeiro turno da eleição na semana passada ele teve 73 votos, o que, tecnicamente levaria a escolha para um segundo turno, mas ele desistiu. Agora voltou a apresentar-se como candidato. Entre suas propostas-mestras está a de que as mulheres dos países muçulmanos possa jogar de véu na cabeça. Além disto, tem feito declarações genéricas sobre a necessidade de sanear a entidade.

O segundo nome em evidência está em declínio. É o de Jérôme Valcke, atual secretário-geral da entidade. Seria um nome forte, mas entrou no rol dos investigados do FBI, com suspeita de ter pago propinas para garantir a indicação da África do Sul como sede da Copa de 2010. Quando da realização da Copa de 2014, Valcke já estava na mira do fisco francês, com suspeitas de participar de um esquema de “azeitamento” de transferências internacionais de jogadores com vistas à evasão fiscal.

Em terceiro lugar aparece o atual presidente da Uefa (sigla em inglês para Union of European Football Associaciations, que também tem sede na Suíça, como a Fifa), o ex-jogador de futebol Michel Platini, da seleção francesa, que já foi um colaborador de Blatter, mas depois dele se distanciou.

Platini tem dois fatores a seu favor: preside a federação individualmente mais rica e poderosa do futebol mundial, depois da própria Fifa, e tem a credencial de ter apresentado e posto em efeito um plano chamado de “Fair Play financeiro” na Uefa. Este plano tem por objetivo tornar mais equânimes as regras de despesas e financiamentos no futebol num continente marcado por uma extrema diversidade em matéria de capacidades financeiras, impostos, regras interclubes etc., como a Europa.

Mas sozinho, nem mesmo um galo (símbolo nacional da França) faz o verão, de modo que fica por verificar sua capacidade de fazer alianças no plano internacional, depois de ter aberto mão de sua candidatura em favor da do príncipe Hussein.

Outro que abriu mão de sua candidatura, mas agora está de volta, é o também ex-jogador Luis Figo, de Portugal, com passagem também pela Espanha e pela Itália. Outros europeus na arena são Jerôme Champagne, da França, e Michael van Praaf, da Holanda. A Uefa se reúne durante o fim de semana em Berlim para delinear sua nova estratégia.

Correndo por fora, mas com um potencial de grande número de votos atrás de si, vem o atual presidente da Confederação Africana, o camaronês Issa Hayatou, que também é membro do Comitê Olímpico Internacional. A CA foi a associação que, através de seus membros, acabou garantindo a eleição de Blatter na semana passada. Hayatou é acusado de recebimento de propinas relativas à venda de direitos televisivos das Copas dos anos 90.

O mais recente candidato é o xeque Ahmad Al-Fahad Al-Sabah, do Kuwait, que traz as petrofinanças para este circo de gladiadores.

Outros nomes aventados, mas que, de momento, têm pouquíssimas chances são Diego Maradona (apresentado pelo presidente venezuelano Nicolas Maduro) e Zico, aventado por ele mesmo, na base do “por quê não?”.

Haverá mudanças na estrutura da Fifa? No relacionamento dos clubes com patrocinadores e com as tevês? Nas suspeitas de sonegação fiscal através da falsificação de cifras nas transações internacionais e nacionais? Estas e outras questões de mesmos quilates são as fundamentais. Sem respostas positivas a elas, tudo vai continuar como dantes. E sob a ponte chamada Fifa continuarão a passar muitas águas. Turvas, é claro.