mercado inquieto

Grécia…. e a tragédia não veio

Contrariando noticiário, país cumpre contrato e mantém disposição de aumentar salário mínimo e ampliar direitos dos trabalhadores, além de deter privatizações

CC / A.Savin / Wikimedia Commons

Apesar da má vontade da mídia, defensora do mercado, e de governos vizinhos, Grécia resiste à sanha neoliberal

Houve especulações de todos os tipos sobre se a Grécia iria pagar ou não a parcela do empréstimo do FMI que venceu na quinta-feira passada, dia 9. Eram quase 460 milhões de euros, e o governo grego estaria proverbialmente quebrado. Além disto, especulava-se também com declarações de membros do governo ou parlamentares da Syriza segundo as quais aquele deveria privilegiar o pagamento de salários e pensões e não o FMI. As especulações jogavam uma coisa contra a outra, na esteira da má vontade que a cúpula ortodoxa da Zona do Euro, mais vários dos ministros da área financeira dos países membros vêm exibindo em relação à disposição do governo grego de aumentar o salário mínimo, diminuir o arrocho tributário sobre trabalhadores e classe média, valorizar as aposentadorias e deter as privatizações.

As especulações não disfarçavam completamente a verdadeira torcida “contra” que há na mídia ortodoxa contra as “ousadias” e “leviandades” do governo grego. A temperatura aumentou com a ida, dois dias antes, do primeiro-ministro Alexis Tsipras a Moscou, para encontrar-se com o presidente Vladimir Putin. Houve cargas e mais cargas de adrenalina despejadas pelas veias (fechadas) do continente europeu: “Putin vai inundar a Grécia de dinheiro”; “Atenas vai se aliar a Moscou, comprometendo as defesas (ou linhas de ataque…) da Otan nos Bálcãs”…

Nada disto aconteceu. Houve vantagens para a Grécia na viagem, com certeza. Putin se comprometeu a rever o embargo de produtos agrícolas gregos – em vigor para o continente desde que a União Europeia adotou sanções econômicas contra Moscou – sobretudo em relação a morangos e outras frutas que tradicionalmente faziam parte das exportações gregas para a Rússia. Além disto, haverá acertos quanto ao fornecimento de gás deste país àquele. Mas não houve alianças estratégicas nem inundações de dinheiro.

No domingo anterior o ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, prometera em Washington à diretora-presidente do FMI, Christine Lagarde, que a Grécia honraria seus compromissos internacionais. A declaração foi recebida na mídia conservadora do modo com que ela costuma caracterizar as frases do ministro: como um misto de bazófia e temeridade. Para completar o quadro tempestuoso, a Grécia quantificou a reivindicação de reparações de guerra contra a Alemanha: € 278 bilhões, em nome de empréstimos que o governo grego títere durante a ocupação nazista se viu forçado a fazer.

Além disto, a Grécia pretende também reaver tesouros artísticos e arqueológicos tomados pelos nazistas durante a ocupação, além de outros levados anteriormente. Sigmar Gabriel, o ministro da Economia alemão (do SPD), classificou a reivindicação como dumm, isto é, tola, idiota, uma bobagem.

Mas há quem diga, mesmo na Alemanha, que ela não tem nada de “dumm”, e que em algum momento Berlim terá de encará-la, nem que seja na Comissão Econômica da União Europeia ou em alguma corte judiciária, como a de Haia. A Alemanha alega que já pagou indenizações a Grécia no passado; porém nada houve de acerto quanto a esta ação financeira e bancária dos nazistas.

Durante a semana, a Grécia igualmente conseguira recursos no mercado financeiro da ordem de € 1,1 bilhão, através de letras de seis meses com juros anuais abaixo de 3%, uma condição considerada razoável para quem está com o acesso a mercados de longo prazo bloqueado, além de obter empréstimos a base de 7% ou até mais.

Na quinta-feira pela manhã, o governo grego anunciou ter feito a transferência da soma para a conta do FMI, como Varoufakis prometera. Seguiu-se de imediato uma torrente de afirmações e comentários de que a Grécia continua insolvente, que tem outras centenas de milhões de euros a saldar com credores privados ainda em abril e outro tanto com o FMI e maio etc, além de mais de um bilhão dos famigerados salários e pensões, sinal de que a velada torcida contra vai continuar.

Mas tudo isto mostra que a Grécia, se está em dificuldades, e está, tem uma margem de manobra maior que a malta neoliberal quer admitir.