exemplo alemão

Em vez de liberar a terceirização, Brasil deveria pensar no ‘Kurzarbeit’

Em tempos de severa crise econômica, trabalhadores, empregadores e governo alemães costuram acordo para manter empregos, em vez de só oferecer a precarização do trabalho como alternativa

cc – Kurzarbeit.de

Competitividade pode ser obtida sem sacrificar empregos e renda dos trabalhadores, como provam Alemanha e Áustria

Nesta terça-feira, 7 de abril, centrais sindicais e outras organizações conclamam a realização de atos contra o projeto de lei que tramita no Congresso para liberar de vez a contratação terceirizada de trabalhadores pelas empresas.

Há significados curiosos neste momento. Defende-se a CLT – em seus aspectos positivos para a afirmação de direitos dos trabalhadores. É bom lembrar que não muitas décadas atrás a CLT era estigmatizada pelo movimento sindical independente como herdeira do fascismo, inspirada na Carta del Lavoro de Mussolini, uma promoção do “caudilho direitista Getúlio Vargas”.

Hoje a figura de Vargas está em claro processo de reavaliação pelas esquerdas – e já faz tempo que isto vem acontecendo. A trilogia de Lira Neto sobre “a esfinge dos pampas” (a expressão pertence a uma outra biografia de Vargas, dos anos 70/80 escrita por um pesquisador inglês, Richard Bourne, e agora lançada no Brasil, infelizmente com uma tradução sofrível) é eloquente neste sentido. Idem, a CLT passou por uma reavaliação histórica.

De fato, quanto à organização sindical ela deve algo ao corporativismo vertical dos fascistas, mas em outros – e muitos outros – aspectos ela tem mais a ver com a herança positivista do varguismo, bem como com a social-democracia europeia ou um conservadorismo sim, europeu, mas mais próximo de Bismarck do que de Hitler e Mussolini. Bismarck, o “chanceler de ferro” foi dos primeiros dirigentes europeus a estender direitos ao mundo do trabalho através de programas nacionais de previdência social – na tentativa, por certo, de conter o avanço dos socialistas.

Durante muito tempo o movimento sindical brasileiro e as esquerdas “compraram” cegamente o ponto de vista liberal que condenava a CLT como danosa para os trabalhadores e para a “livre negociação”. Felizmente, este verdadeiro dano para as classes trabalhadoras parece estar vencido, embora se trave agora dura batalha para impedir que a sanha liberal imploda os avanços trabalhistas da legislação brasileira.

A direita brasileira, acompanhando tendência mundial, está mais assanhada do que nunca, nas manifestações de rua, na mídia conservadora que a recebe de braços abertos, e no Congresso Nacional.

O argumento central desta tentativa – uma enganação das boas – é o de que a “rigidez” celetista gera desemprego, aumentando o tal de “custo Brasil” e constrangendo a “liberdade” de empregados e empregadores. Em tempos de recessão mundial, como a de hoje em dia, o argumento ganha força, porque é verdade que em tal conjuntura empregos e salários periclitam conjuntamente.

Em defesa do emprego, entretanto, vale lembrar uma outra experiência desenvolvida na Europa – a do chamado “Kurzarbeit” do mundo germânico, solução usada na Áustria e na Alemanha para impedir a dispensa em massa de trabalhadores. Consiste o “Kurzarbeit” numa solução negociada “a seis mãos”, digamos, entre empregadores, empregados e governo (no caso brasileiro deveria haver a participação dos ministérios do Trabalho, da Fazenda e do Planejamento, no mínimo).

O “Kurzarbeit” introduz, através da solução negociada, uma redução na jornada de trabalho de todos ou para parte dos empregados numa empresa. Em função disto o empregador reduz também a folha salarial paga, enquanto o governo cobre esta diferença, no todo ou em parte, conforme a negociação, pagando-a diretamente aos trabalhadores.

Na negociação é estabelecido um prazo para vigorar o acordo, sendo que a prática tem fixado o máximo de 24 meses de duração. Neste prazo, empresas, o governo e os empregados têm tempo para procurar soluções alternativas. No caso da indústria automotiva alemã, por exemplo, prejudicada pela diminuição das exportações para a Europa devido à crise de 2007/2008, a solução foi intensificar as exportações para a China.

Há cláusulas suplementares no acordo, como a que estabelece, conforme o caso, que os empregados devem usar o tempo livre conseguido com a redução da jornada de trabalho para treinamento ou atualização através da busca de cursos fornecidos por agências competentes (no caso brasileiro, Senac, Senai, SESI etc., por exemplo) e credenciadas pelos ministérios da área. Igualmente, há exigências de total regularização e transparência por parte das empresas que venham a aderir ao programa, além de eventualmente, atualização tecnológica sem prejuízo dos empregos existentes.

As experiências são muito variadas, e também sujeitas a críticas, como a de que o esquema favorece os trabalhadores melhor qualificados e melhor organizados, deixando sem proteção os mais vulneráveis. É claro que tais programas não podem nem devem ser os únicos a enfrentar a questão da recessão e do desemprego, ou das perdas salariais, devendo haver outros complementares a serem aplicados conforme o caso.

Mas o esquema do “Kurzarbeit” teve sua eficácia reconhecida, por exemplo, pela OCDE, segundo a qual foram salvos pelo menos 500 mil empregos na Alemanha nos anos subsequentes à crise de 2007/2008, ou seja, em 2009/2010.

Por outro lado, o exemplo vale como demonstração de que por vezes o establishment econômico alemão emprega o velho ditado “façam o que eu digo, mas não o que eu faço”, pois se de um lado desenvolveu esta experiência bem sucedida no plano interno, por outro vem pressionando países mais frágeis, como a Grécia, para desmantelarem sua rede de proteção social.

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