esquerda no poder

Grécia: passada a euforia, começa o duro trabalho de Alexis Tsipras

O novo primeiro-ministro sinaliza que terminou o prazo de validade de um governo subserviente a Berlim e anuncia que só vestirá uma gravata no dia em que a dívida grega for renegociada

European Parliament

Tsipras é o primeiro-ministro mais jovem da história do país e também o primeiro egresso da extrema-esquerda

Os primeiros gestos de Alexis Tsipras, o novo primeiro-ministro grego, egresso da Coalizão da Esquerda Radical, conhecida pelo acrônimo Syriza, foram:

  1. 1. Render homenagem a 200 gregos assassinados pelos nazistas em 1944.

  2. 2. Formar uma coligação com o Partido dos Gregos Independentes (Anel), seguidamente descrito como “populista de extrema-direita”, só superado nesta caracterização pelo Aurora Dourada.

  3. 3. Apontar o professor de economia Yanis Varoufakis como ministro das Finanças, antes mesmo de nomear os demais membros de seu gabinete, que devem ser indicados ainda hoje (27).

  4. 4. Anunciar que só vestirá uma gravata no dia em que a dívida grega para com as instituições financeiras da União Europeia e os credores privados for renegociada.

Todos os gestos mostram um cálculo muito preciso por parte do primeiro-ministro mais jovem que a Grécia já teve em toda a sua história, e também o primeiro egresso de um partido descrito como de extrema-esquerda.

A homenagem

O recado não podia ser mais claro. Na frente externa, é um recado em primeiro lugar para a Alemanha. Não no sentido de chamar o atual governo alemão de “nazista”, termo que apareceu em muitas manifestações na Grécia. Mas de sinalizar que terminou o prazo de validade de um governo subserviente a Berlim, que era a acusação que se fazia ao de Antonis Samaras, do partido Nova Democracia, que seguia religiosamente o “plano de austeridade” aplicado pela chamada Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), mas idealizado a partir da ortodoxia hegemônica no establishment político e econômico de Berlim.

Também havia outro aspecto neste recado: ao final de 2011, submetido a intensa pressão por parte de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, devido ao anúncio de submeter o plano de austeridade e empréstimos a um plebiscito, o primeiro-ministro socialista Georgios Papandreou se viu na contingência de renunciar. Papandreou ainda tentou formar um governo de coalizão nacional, sem sucesso, o que abriu caminho, em novas eleições, para Samaras.

Mas mais importante é o recado interno atual: agora sim, trata-se de antes de mais nada de formar um governo em clima de “salvação nacional”, unindo todos os que estiverem dispostos a lutar pela soberania do país, comprometida desde a crise e a insolvência de 2008.

A coligação

A formação de uma coalizão com o Partido dos Gregos Independentes não chega a ser uma surpresa total. Houve reações negativas, indo da incredulidade ao ceticismo e à indignação. A verdade, porém, é que a Syriza e o Anel já tinham atuado juntos, em dezembro, quando Samaras fez o gesto algo desastrado de chamar eleições presidenciais antecipadas.

Diz a lei grega que o Parlamento tem três votações para eleger um novo mandatário – ns última, ainda são necessários 180 votos em 300 para a definição. A votação contrária ao candidato da Nova Democracia por parte da Syriza e do Anel foi fundamental para sabotar o plano do então primeiro-ministro. A mesma lei grega prevê que na impossibilidade de eleger o presidente o Parlamento é dissolvido e novas eleições nacionais são chamadas, o que aconteceu. E naquela altura a Syriza já era favorita para ser a força mais votada. É verdade que a votação surpreendeu, indo além dos esperados 30%, chegando a 36,34%.

Ainda assim, mesmo com o bônus de 50 cadeiras que a lei eleitoral concede ao partido mais votado, a Syriza chegou a 149 cadeiras, duas a menos do que o necessário para ter a maioria absoluta (151) e formar um governo solo. Isto posto, não havia outra escolha possível. O Anel obtivera 4,75% dos votos e 13 cadeiras. Os outros partidos no parlamento eram: Nova Democracia, 27,81% e 76 cadeiras; Aurora Dourada, 6,28% e 17 cadeiras; O Rio (To Potami), 6,05% e 17 cadeiras; Partido Comunista (KKE), 5,47% e 13 cadeiras; e os Socialistas (Pasok), 4,58% e 13 cadeiras. ND, AD e mesmo o Pasok (que integrava a coalizão de Samaras) eram cartas fora do baralho; os comunistas idem, pois o PC grego é sabidamente dos mais ortodoxos e na Syriza pululam trotskistas, maoístas e verdes, intragáveis para o KKE.

Restaria o To Potami, mas este partido, embora tenha se mostrado disposto a considerar uma frente com a Syriza, integra a frente social-democrata no Parlamento Europeu, o que levaria a uma negociação longa e não completamente certa. E Tsipras sabia de uma coisa: era necessário formar um governo rapidamente, em não mais do que três dias. Ao contrário, em primeiro lugar, o presidente, Károlos Papulías, pertencente ao Pasok, poderia se sentir autorizado a chamar o segundo partido mais votado (ND) para formar um governo. Isto seria muito improvável, e neste caso, teria de haver novas eleições.

Neste rumo, o país e o governo estariam paralisados, enquanto a pressão externa contra a Syriza aumentaria até o insuportável. Portanto, o passo inicial teria de ser dado em poucos dias e até horas, pois a perspectiva de uma possível, porém árdua renegociação com Bruxelas, Estrasburgo, Frankfurt, Berlim et alii, se colocaria de imediato, e para isto seria necessário mostrar força e capacidade de aglutinação.

Além disto, o Anel é algo um pouco mais complexo do que parece à primeira vista. Seu líder mais evidente, Panos Kammenos (cotado para ser o ministro da Defesa), é conhecido por suas posições anti-imigrantes e críticas ao casamento de pessoas do mesmo sexo (além disso, ele deu uma polêmica declaração recentemente, em que dizia que os judeus pagavam menos impostos do que os outros cidadãos gregos).

Também é verdade que a maioria dos membros do partido são dissidentes do ND, mas por discordar do plano de austeridade imposto ao país e aceito e aplicado por Samaras. Porém, há nele também dissidentes do Pasok, pela mesma razão, e o Anel já realizara uma curiosa união com um pequeno partido de esquerda, chamado curiosamente de “Biga dos Cidadãos Pan-helênicos”, que dentro da coligação tinha dois deputados (não sei se permaneceram). Ou seja, a complexidade é maior do que parece.

O ministro

O ministro indicado para as Finanças é o professor Yanis Varoufakis, que preenche várias qualidades para o posto. É um acadêmico respeitado, com passagens pelos Estados Unidos e vários países da Europa. É conhecido por suas posições críticas aos planos de austeridade, ao clima recessivo que eles impõem, mas ao mesmo tempo tem fama de ser um espírito aberto à negociação. E se há algo que Tsipras necessita é mostrar-se aberto à negociação, jogando uma eventual pecha de intransigência para o outro lado da mesa.

A corda é curta: a Grécia já recebeu 240 bilhões de euros em empréstimos, sobretudo da Alemanha; a dívida total no momento é de 320 bilhões, equivalente a 175% do PIB anual do país; o atual compromisso de empréstimo vence em 28 de fevereiro; e a Grécia tem uma prestação de 7 bilhões para pagar em junho. Varoufakis já manteve contatos telefônicos prévios (ainda informais) com Bruxelas e autoridades de outros países credores, como a Holanda, tendo, ao que parece, segundo declarações (também informais) destes interlocutores, encontrado boa receptividade.

No “day after” da eleição da Syriza os ministros das Finanças da União Europeia se reuniram. Os credores mais duros serão a Alemanha e a Finlândia, mas dificilmente assumiriam uma posição isolada de negar-se a uma negociação mais profunda. Além disso, o professor deu declarações que buscavam tranquilizar os outros ouvidos, dizendo que, se vai procurar uma alternativa viável para os pagadores de impostos na Grécia, isso não significa que buscará uma solução ameaçadora para os pagadores de impostos dos outros países.

Ajuntou que sua posição é a de honrar os compromissos, mas condicionando esta “honra” à retomada do crescimento e à melhoria das condições de vida na Grécia, onde 30% da população vive na pobreza. E se ele conseguir convencer a maioria dos governos, forçará a posição da Alemanha e da Finlândia, e também a dos eventuais credores privados.

O fato é que uma radicalização de posições não interessa, no momento, a nenhum lado, a menos (o que é sempre possível) que haja alguém disposto a se suicidar com vários pés. Uma crise que levasse, por exemplo, à saída da Grécia da zona do euro, além de ser prejudicial a este país, lançaria um tsunami sobre a União Europeia de consequências imprevisíveis para todos, de Tsipras a Angela Merkel, de François Hollande a David Cameron (que tem eleição marcada para 7 de maio). A extrema-direita está pronta para receber esta crise no colo.

A gravata

Há uma reunião de cúpula da União Europeia prevista para meados de fevereiro. Lá estará todo o atual establishment europeu, mais Tsipras. Logo surgiu o comentário de que, dentre os mandatários do sexo masculino, ele seria o único sem gravata, como é seu costume.

Perguntado sobre a circunstância, ele declarou, num primeiro momento, que não vestirá uma nem para ver o Papa; não seria agora, portanto, que mudaria sua indumentária. Entretanto, algumas horas depois declarou que vestiria uma gravata – no dia em que a dívida grega fosse renegociada. Para além do tom jocoso, a declaração equivale a dizer – literal e simbolicamente – que ele está propenso a entrar numa negociação até o pescoço.

A inclinação vem a propósito, pois tanto ele como seus correligionários sabem que um fracasso de seu governo levará, quase certamente, uma expressiva parte de seu eleitorado (a que conquistou nesta eleição) em direção à direita – não só do Anel, mas dos fascistas do Aurora Dourada. Tsipras pertence a uma geração jovem que, se tiveram seus avós mortos por nazistas, tiveram seus pais perseguidos e até mortos pela ditadura de direita que governou o país até 1974.

Não negociar agora também equivaleria a um suicídio político com vários tiros em vários pés.

Em todo caso, de momento, uma nova esperança varre a Europa. Na Alemanha, a Linke está animada. Na França e na Itália há empolgação, além de uma melhora na posição relativa, no (des)concerto europeu, de François Hollande e Matteo Renzi. O Labour se agita no Reino Unido. A maior agitação, no entanto, está acontecendo na Espanha, com o novo partido de esquerda, Podemos, crescendo nas pesquisas para as eleições nacionais do fim do ano.

Seu líder, Pablo Iglesias, participou do comício final da campanha da Syriza, em Atenas, ao lado de Tsipras. Enquanto ambos se abraçavam no palanque, os alto falantes tocavam uma música do compositor/cantor canadense Leonard Cohen:

Ah, you loved me as a loser, but now you’re worried that I just might win

You know the way to stop me, but you don’t have the discipline

How many nights I prayed for this, to let my work begin

First we take Manhattan, then we take Berlin”.

“… Ah, você gostava de mim enquanto eu perdia, mas agora teme que eu possa ganhar

Você sabe como me deter, mas não tem disciplina para tal fim

Quantas noites rezei para que meu trabalho pudesse começar

Primeiro tomamos Manhattan, depois tomaremos Berlim”.