A austeridade, a Escócia e a possível desintegração da Europa

Mais uma vez, a história e o mapa da Europa podem passar por profundas transformações, movidas pelas políticas econômicas de alguns governos, e que podem avançar dramaticamente no próximo dia 18

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A partir de movimento separatista escocês, continente europeu pode passar por novas mudanças geopolíticas

A Europa vem sendo submetida a uma tensão fragmentária crescente, com os efeitos danosos dos “planos de austeridade” constritores de direitos da cidadania. Ao mesmo tempo em que cresce o acirramento destas políticas, cresce uma insatisfação surda com elas, que encontra dificuldades de se exprimir no plano institucional.

Este clima e este descolamento têm favorecido uma onda de extrema-direita em vários países da União Europeia. O caso mais dramático é o da França, onde há o sério risco da eleição de Marine Le Pen, da Frente Nacional, à presidência no próximo pleito.

Com menos evidência, tal contexto tem alimentado movimentos separatistas, com maior ou menor grau de intensidade, em todo o continente. O caso mais evidente, e vem ganhando ímpeto, é o da Escócia. Haverá nela um plebiscito sobre o tema no próximo dia 18 de setembro, que poderá por fim à união com a Grã-Bretanha, o País de Gales e a Irlanda do Norte, com seus 307 anos de idade. As últimas pesquisas vêm dando vantagem ao “sim”do movimento separatistas contra o “não” do movimento “Better Together”, “Melhor Juntos”.

Pelo “sim” luta um amálgama de direita e esquerda, de movimentos sociais, tradicionalistas ou não, com o traço comum da insatisfação com a repartição de poderes do Reino Unido, intensificada com as políticas conservadoras de David Cameron.

A vitória do “sim” colocaria uma série de perguntas na ordem do dia. Eis algumas:

1) Como ficará a questão da moeda? A Inglaterra já declarou que não cede a libra para uma Escócia independente.

2) Como será repartida a dívida pública?

3) Qual será a reação da União Europeia e da OTAN?

4) Quais serão os efeitos econômicos? As costas escocesas são ricas em petróleo e gás.

5) E os efeitos políticos? A Escócia é responsável por parte considerável da representação dos trabalhistas no Parlamento britânico. Aliás, como ficará a situação dos 59 deputados escoceses na Câmara de Deputados?

E há ainda os efeitos-cascata, inclusive internacionais, de uma possível vitória do separatismo. No vizinho País de Gales o movimento não tem o ímpeto do escocês, mas poderia ganhá-lo. Além disto, o próprio Parlamento Europeu registra uma representação não oficial de 40 “stateless nations” – “nações sem estado”.

Em alguns casos, movimentos separatistas serão insuflados. Alguns exemplos:

1) Os Flamengos na Bélgica.

2) A Catalunha e o País Basco na Espanha. A Catalunha tem um plebiscito marcado para o dia 9 de novembro.

3) O Veneto e a Lombardia na Itália, com o Tirol italiano. Talvez a Sardenha.

4) A Córsega, a Bretanha e até o Pays d’Oc na França.

5) Obviamente os separatistas do leste da Ucrânia.

6) A Frísia, região que compreende parte do norte da Alemanha, da Dinamarca e da Holanda.

7) Até mesmo a Baviera alemã declarou que vai enviar uma delegação à Escócia para acompanhar o plebiscito.

8) Os diferentes separatismos da Federação Russa.

Mas há efeitos previstos também para além do continente europeu:

1) O Québec, no Canadá.

2) Os Curdos, na Turquia e no Iraque.

3) Até um folclórico movimento pela independência do Texas, nos Estados Unidos, declarou que acompanha de perto o plebiscito escocês.

Todos os partidos políticos do Reino Unido estão se empenhando pelo “não”. O governo já anunciou que fará novas concessões de autonomia à Escócia, numa tentativa de deter a vitória do “sim”. Há quem prediga – claro que do lado dos diversos movimentos separatistas – que uma vitória do “sim” seria apenas o primeiro passo de uma desintegração do mapa atual da Europa.

Aliás, este mapa passou por transformações substanciais nos Bálcãs desde a desintegração do mundo comunista, em particular da Checoslováquia e da Iugoslávia. A própria Ucrânia emergiu independente do fim da União Soviética.

O mesmo aconteceu com os Países Bálticos – Lituânia, Letônia e Estônia – que recuperaram a sua independência (conquistada apenas em 1920, devido às desintegrações de estados provocada pela Primeira Guerra Mundial) em 1989, depois do fim da URSS. No meio da crise ucraniana a Rússia reanexou a Crimeia, que já fora sua, com base num plebiscito feito meio às pressas logo no começo da crise na Ucrânia.

Mapa, na Europa, parece ser coisa que não dura. Portanto, apertemos os cintos. No dia 18, a Europa estará no ar.