gol contra

Na Copa, a mídia alemã e europeia perdeu o rebolado

E está perdendo o jogo. Para si mesma, é bom esclarecer. Os exemplos se multiplicam, sobretudo em Londres, Paris, Madri – e Berlim e arredores

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Capa da revista alemã Der Spiegel: grande mídia europeia embarca na pauta negativista

Todas as manhãs escuto notícias pelo rádio. E todas as manhãs, ao longo das horas, vem a descrição de um país – o nosso – de empedernidos e recalcitrantes corruptos, ineptos, tarados divididos entre a pedofilia e a prostituição, um país de criminosos, traficantes, ou então de pobretões choraminguentos e sem saída, favelados para sempre, ou então um bando de dementes e mentecaptos que diante de uma bola começam a babar e a correr. Ah sim, e um país onde nada funciona.

E que vão votar com a bola na cabeça: se o Brasil ganhar, a presidenta será reeleita; se perder, não.

Bom, podemos dizer que no Brasil A há muita gente que pensa assim. Já me cansei de ler artigos, ouvir e ver entrevistas, declarações uma atrás da outra, de que “nós” somos tudo aquilo descrito acima e mais algumas coisas. Claro: este “nós” é qualificado. Gramaticalmente estamos diante de uma proeza pronominal, porque este “nós” signifca na verdade “eles”, isto é, “os outros”, porque o “eu” que está com estes vitupérios da boca para fora não os internaliza: este “eu” é sempre uma exceção, um “herói disfarçado”, digamos, por manter sua identidade íntegra no país do cambalacho, da falta de vergonha, do estrupício, da falta de educação, de cultura, de tudo. Mais ou menos como os europeus primitivos viam os índios brasileiros: desprovidos de tudo, nus da cabeça aos pés e por dentro também.

Acontece que este jogo perigoso em que a mídia está entrando (grande parte da escrita, audiovisual e virtual também entra nesta), se tem língua longa, tem perna curta. Não me consta que as viagens para o Brasil tenham diminuído, ou que alguém que queria ir à Copa tenha desistido (a não ser por causa dos preços altos de tudo, mas isto, se não é agradável, é outra história) de fazê-lo por causa destas reportagens.

Quando escrevi que a mídia está perdendo o jogo para si mesma, quero dizer que está pondo em jogo a própria credibilidade. Quando vim morar na Alemanha, estava acostumado com este comportamento desqualificador por parte da nossa velha mídia. Além de vê-lo em ação em relação a nossos tr6es últimos governos, já o vira em 54, em 64 e tantas outras vezes. E aqui me chamava a atenção o comportamento, digamos, “mais equilibrado” da mídia, mais plural, menos editorializado na reportagem, menos preconceituoso.

É isto, esta aura de equilíbrio que está sendo trincada e logo pode despedaçar-se. Porque há uma novidade neste momento.

Sempre houve, junto com aquele  senso de equilíbrio, alguns pontos nevrálgicos. Fidel Castro sempre era e é tratado como o ditador sanguinário (e agora corrupto) do Caribe; Hugo Chávez era sempre o bufão histriônico e populista; mais recentemente Cristina Kirchner aparecia como mandona e desequilibrada; os ditadores da Coreia do Norte eram e são sempre apresentados como débeis mentais, senil o pai (já falecido) e infantil o filho. Putin, que já era o vilão anti-europeu, ficou mais ainda depois que esta mídia do lado de cá ressuscitou a guerra fria por causa da Ucrânia, com ajuda empenhada da OTAN e dos Estados Unidos.

A diferença, no caso brasileiro, é que esta é a primeira vez em que se investe contra um povo inteiro, em que se cria um discurso para desqualificar um país de norte a sul, de leste a oeste e de ponta a ponta. Tudo é ruim no Brasil, nada presta, porque agora a mídia está mostrando o “”outro lado”, o “verdadeiro” país. Só se for o outro lado dos clichês , que ela mesma, mídia, alimentou: os clichês do país das praias, da vagabundagem, do café e das bundas à mostra, é bom não esquecer. Clichês que, tenham a certeza, voltarão assim que puderem.

Há vozes mais comedidas, por certo. Ouvi no rádio uma entrevista de David Barteltt, o diretor da Fundação Heinrich Böll (ligada aos Verdes) no Brasil, dizendo que se o quadro não era tão positivo como pintava o governo, também não era tão negativo como aparecia na mídia. Ouvi também um outro entrvistado, que recém chegara de S. Paulo, dizendo que as manifestações anti-copa não eram tão grandes como aqui (na Alemanha) se pintava. Mas são vozes isoladíssimas.

Fui a duas atividades – uma conferência no Ministério de Relações Exteriores e uma entrevista coletiva na Casa das Culturas do Mundo (que vai exibir em telões todos os jogos da Copa) – da Embaixadora do Brasil, sra. Maria Luiza Ribeiro Viotti. Sua vida aqui não tem sido nada fácil, respondendo regularmente a este coro de maledicências sobre o nosso país. Mas ele vem fazendo um trabalho muito firme e ao mesmo tempo muito ponderado. Em ambas as ocasiões deixou claro que existe, sim, um “outro” Brasil a ser descoberto, pois nosso país mudou muito já desde há tempos. Um país – claro – que fica “além do noticiário”. É isso aí.