Prove Síria: dificuldades no palco, bons sinais no bastidor

Há alguns meses, uma negociação multilateral sobre a guerra civil era impensável. Agora, as conversas começam em Genebra sob alta temperatura, enquanto a Rússia renasce como potência diplomática

Fabrice Coffrini/Pool/EFE

Ban Ki-moon durante encontro em Genebra com representantes: “desconvite” não provocou comentários do Irã

A Conferência de Paz que tem início hoje (22), em Genebra, sobre a guerra civil na Síria, começa com o palco em turbulência. A principal causa da turbulência é o tumulto que é a atual composição dos grupos rebeldes. Ao longo da cruenta guerra civil (mais de cem mil mortos, mais de dois milhões de refugiados) de três anos, as oposições sírias não conseguiram se articular num conjunto coerente. Por quê? Porque não o são.

A votação sobre participar ou não na Conferência de Genebra espelha isto: na Coalizão Nacional Síria, principal aglomerado de oposição, foram 58 votos a favor, 14 contra e cerca de 30 negativas em participar nem sequer da votação. Ao lado, a miríade de grupos ligados à Al Qaïda, e financiados, inclusive no que toca a armamentos, pela nefasta monarquia da Arábia Saudita, que disputa com o governo de Benjamijn Netanyahu o troféu de “Reacionário da Região”.

Porém este aglomerado confuso e sem liderança clara, conhecido como “oposição”, foi protagonista da ameaça de abortar a conferência antes mesmo de começá-la. Motivo: o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, convidou o governo do Irã a tomar assento na mesa, em Genebra.

Como o Irã apoia o governo de Bashar Al-Assad (como se a Rússia não apoiasse, ou como se os Estados Unidos não apoiassem a oposição), os grupos rebeldes ameaçaram não comparecer. Este impasse, logo resolvido com a retirada do convite, mostra a alta temperatura das dificuldades.

Mas se no palco as dificuldades são de monta, no bastidor há bons sinais:

1) O governo iraniano não se manifestou sobre o “desconvite”. Aceitou-o, engoliu-o, digeriu-o. Até porque sabe que na mesa ou fora dela terá papel decisivo nas negociações, que serão longas e complicadas.

2) Teerã também deixou claro que separa o joio do trigo: a inspeção de suas instalações nucleares pela ONU continua, bem como deixou claro perante os peritos que de de fato está suspendendo o enriquecimento do urânio a 20%, condição para fabricar ogivas nucleares.

3) Do outro lado do mapa a Turquia – cujo governo está sob acusações de corrupção – tem dado mostras de aceitar a solução negociada, inclusive com o governo de Bashar Al-Assad.

4) Este, por sua vez, não aceita dizer que sairá do poder, mas deixou claro que se submeterá a eleições. Que eleição será possível realizar num país destruído como a Síria, é questão a se pensar. Talvez haja eleições no meio do caminho, mas uma de fato só será possível depois de um processo de paz e reconstrução aceito e efetivado.

5) Há alguns meses um quadro destes – reunião em Genebra, conversações com o Irã, inclusive sobre seu programa nuclear, suspensão, mesmo que parcial e temporária, das sanções econômicas contra o país, era impensável. Só se falava em bombardeio na Síria, ataque unilateral por Israel ou não contra o Irã, enfim, a confirmação de que na região e talvez no mundo não valesse mais a afirmação de que a guerra fosse a extensão da política, mas sim o contrário, a de que esta fosse meramente a extensão daquela.

6) O maior “sintoma” que isto traz à luz é o do renascimento da Rússia como potência diplomática, além de militar e econômica que já era. Isto se deve tanto às vicissitudes políticas do “camarada Putin” quanto às habilidades do Ministro de Relações Exteriores, Sergei Lavrov.

Esperemos pelo melhor, a partir de quarta-feira, 22 de janeiro de 2014, em Genebra. Milhões de vidas dependem disto.