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Numa Alemanha ‘caótica’, direita põe as mangas e as garras de fora

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Seehofer, porta-voz de movimento xenófobo, quer país pronto para combater imigrantes, além dos alienígenas

Este começo de ano na Alemanha foi caótico. Michael Schumacher continua no hospital, em Grenoble, na França, em estado grave. A chanceler Angela Merkel fraturou a bacia numa queda, esquiando, na Suíça. Impedida de voar, governa da cama, ou de muletas, resignada a três semanas de inatividade física. Na cidade de Bremen o aeroporto parou durante três horas na segunda-feira. Alguma tempestade de neve? Algum acidente? Não! Um ovni, isto mesmo, um objeto voador não identificado, o popular disco-voador! O caso prossegue um mistério e uma policial chegou a declarar: “Estamos preparados para enfrentar a invasão”.

Na terça-feira (7) a polícia apreendeu 140 quilos de cocaína (com valor calculado de € 6 milhões) num depósito da cadeia de supermercados Aldi, em Berlim, dentro de caixotes de banana chegados da Colômbia.

Como se tudo isto não bastasse, o recém-empossado governo alemão já enfrenta uma enorme crise interna e externa, com repercussão na Europa inteira. Motivo: a União Europeia liberou a imigração de romenos e búlgaros, de acordo com seus estatutos em relação aos seus países-membros plenos. Pronto, foi um deus-nos-acuda: do Tâmisa, em Londres, ao Oder (rio da fronteira da Alemanha com a Polônia), vozes e governantes de direita arregaçaram as mangas e arreganharam os dentes contra a possível, provável, e indesejável “onda” romeno-búlgara que se aproxima como uma tsunami.

Na Alemanha as hostilidades começaram com a declaração do líder da União Social-Cristã (CSU) da Baviera, Horst Seehofer, dizendo que o governo de Berlim deveria impedir a vinda de “imigrantes pobres”. O Ministro de Relações Exteriores, Franz-Walter Steinmeier, do SPD, se insurgiu, lembrando que isso contraria o estatuto de livre circulação da União Europeia. Seehofer treplicou, acusando o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) de “hipocrisia”. Vozes na União Democrata Cristã (CDU), da chanceler Merkel, se ergueram contra e a favor de Seehofer, o mesmo acontecendo na própria CSU*. No Parlamento Europeu aconteceu a mesma coisa.

Antes de quebrar a bacia, a chanceler tentou pôr panos quentes no debate, pedindo ao seu vice, Sigmar Gabriel, do SPD, que formasse uma comissão nesta quarta-feira (8) para estudar o assunto. Não adiantou. O debate recrudesceu, e em termos mais amargos.

Líderes da CSU lançaram a seguinte consigna: “Wer betrügt, der fliegt”, que pode ser traduzida por “Aquele que enganar, voa”, isto é, será mandado embora. Razão da consigna:  a suspeita/certeza de que a maioria dos búlgaros e romenos que virá, sobretudo se forem roma (ciganos), quererão apenas se aproveitar do serviço de seguridade social da Alemanha.

Discutem-se medidas policialescas, como a de que ao entrarem no país deverão deixar suas impressões digitais nos serviços de controle das fronteiras, ou discriminatórias, como a de que sejam proibidos de receber qualquer ajuda financeira do governo alemão pelo menos por três meses**.

Esses movimentos e polêmicas não surpreendem. A Alemanha sempre aparentou uma certa calma diante das ondas xenófobas que varrem atualmente a Europa, alimentadas pela extrema-direita – que deseja se assentar como corrente no próximo Parlamento Europeu, a ser escolhido em maio.

Mas este “equilíbrio alemão” tinha algo de aparência. No passado recente o escritor noveleiro Thilo Sarrazin lançou o best-seller “A Alemanha que destrói a si mesma”, dirigido contra o que ele via como a complacência do Estado alemão em relação aos imigrantes turcos e muçulmanos que, ainda segundo ele, se recusavam a se integrar e rejeitavam o sistema educacional alemão.

Thilo, que é membro do SPD (!), perdeu seu posto no Conselho do Banco Central Alemão por causa de seu livro, mas os dois milhões de cópias que vendeu tornaram-no um milionário da noite para o dia.

Por outro lado, na formação do atual governo, a CSU foi apontada como a grande perdedora, com o SPD avançando propostas consideradas um “absurdo” pelos mais conservadores, como a adoção de uma salário mínimo nacional, e um maior esforço de integração em relação aos filhos de imigrantes, garantindo-lhes automaticamente a cidadania alemã, se nascidos no país.

Agora seus líderes mais encarniçados mostram-se dispostos a recuperar o terreno perdido. Às custas da pele dos imigrantes. Enquanto isso, dados de vários serviços de pesquisa mostram que até o momento, dos imigrantes búlgaros e romenos que chegaram à Alemanha, 60% são trabalhadores qualificados, e outros 20% são superqualificados.

Preconceito é preconceito.

(*) Na Alemanha existe uma divisão territorial relativa aos partidos “cristãos”. A CSU atua penas na Baviera, enquanto a CDU atua em todos os outros estados.

(**) Os serviços do Estado alemão para imigrantes são muito variados, indo desde a integração de crianças e adultos, até a formação escolar e acadêmica. Eu, por exemplo, que decididamente não sou um imigrante necessitado, desfrutei de uma bolsa parcial do governo alemão, durante quase três anos, para estudar a língua numa escola de minha livre escolha.