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No adeus a Mandela, discurso e gestos de Obama chamam a atenção

Presidente dos EUA aperta a mão de Raúl Castro, cumprimento inédito entre mandatários dos dois países desde a Revolução Cubana de 1959

© EFE/Kim Ludbrook

Barack Obama cumprimenta Raúl Castro, de Cuba, na chegada para a despedida oficial a Mandela

Para quem assistiu à primeira transmissão intercontinental, ao vivo, pela televisão, a dos funerais de Winston Churchill, em 1964, de Londres para os Estados Unidos, assistir à transmissão de alcance mundial dos funerais de Nelson Mandela – insistentemente chamado por seu apelido de Madiba – traz uma emoção de dimensões espaciais e temporais de alcance inusitado.

Primeiro, pela rotação de eixos, do hemisfério norte para o do sul. Segundo, também por uma rotação de eixos: o chamado “Norte” do mundo vem ao “Sul” em busca de um “norte” para si.

Assim li o discurso-estrela do funeral, em Soccer City, nas lindes de Soweto, na periferia de Jo’burg, como os sul-africanos chamam a sua cidade-maior, o discurso do presidente Barack Obama. Obama está em cerrada campanha para recuperar sua imagem em nível mundial, corroída pelos desmandos da National Security Agency, de acordo com as denúncias mais que pertinentes de Edward Snowden.

Deve-se reconhecer que ele conseguiu marcar pontos. Além de ser o mais aplaudido dentre os presentes, Obama fez um discurso emocional e emocionado, de grande capacidade retórica (no bom sentido), reunindo em suas palavras o Mandela das ideias com o Mandela das ações, em nome de valores como resistência e capacidade de negociação, de manutenção de equilíbrio pessoal, durante 27 anos de encarceramento brutal, com ousadia política no momento de jogar a (re)construção de um novo país entre as ruínas – mas com forças de algemas – do apartheid.

Também marcou pontos ao se apresentar com um toque de humildade diante das lições de Mandela, incluindo-se entre os que devem se perguntar – resumindo – se estão fazendo tudo o que podem para combater a desigualdade, a discriminação, o preconceito e a injustiça.

Decididamente, Obama foi o “herói vivo” do dia – em todos os sentidos – este dia dedicado a prantear e fazer a celebração de um herói morto.

Nossa presidenta saiu-se bem, embora com o relativo azar de fazer um discurso corretamente protocolar (não lhe cabia fazer outra coisa na ocasião) logo depois do discurso carregado de magnetismo de Obama.

Um aspecto interessante de seu discurso foi que ela falou não apenas em nome do povo brasileiro, mas também se colocando como representante dos sentimentos de condolência dos “sul-americanos”.  Havia uma razão igualmente protocolar: ela foi a única autoridade sul-americana presente a fazer uso da palavra. Mas ao bom leitor meia-palavra não só basta, como sugere: Dilma estava fazendo recurso a uma condição que mais e mais vem sendo reconhecida mundialmente. O Brasil, em que pese o rezingar da sua direita, vem ocupando esta posição de representatividade ao lado de uma condição de liderança diplomática que lhe é atribuída mundialmente, em relação aos países emergentes daquele “Sul” do mundo.

Pela paz?

No momento da chegada de Barack Obama em meio aos líderes convidados a falar, dois gestos de sua parte chamaram a atenção e mereceram comentários da mídia internacional presente. Na sequência, o  primeiro foi o aperto de mão com Raul Castro, o presidente de Cuba (que depois fez também um discurso de alta voltagem emocional, lembrando o papel de Cuba nas lutas de libertação da África, que, entre suas consequências, apressou o fim do apartheid na África do Sul).

Foi o primeiro gesto desta natureza desde a Revolução Cubana de 1959. A seguir, o segundo gesto que chamou a atenção foi seu beijo na bochecha de Dilma Rousseff, que pode ser interpretado como um  convite para “fumar o cachimbo da paz” depois dos desmandos de espionagem norte-americana em relação à presidenta.

Para finalizar, um reparo. Obama disse em seu discurso que com Mandela desaparecia o último “libertador” do século XX. Isto, para um latino-americano, passa por cima de Fidel Castro. Mas estender este elogio ao líder cubano seria demais para um presidente dos EUA. Contentemo-nos com o aperto de mão com Raul Castro.