Síria: o que pode ser pior que o gás mostarda?

© Jamal Nasrallah/EFE Crianças sírias em campo de refugiados. Violência contra civis pode levar à intervenção da comunidade internacional A acusação de uso de gás mostarda (ou alguma outra arma […]

© Jamal Nasrallah/EFE

Crianças sírias em campo de refugiados. Violência contra civis pode levar à intervenção da comunidade internacional

A acusação de uso de gás mostarda (ou alguma outra arma química) por parte do governo de Bashar Al Assad no conflito sírio jogou este em seu pior cenário até o momento.

A ONU vai investigar a região, perto ou na periferia de Damasco, onde o gás teria sido usado. Entretanto, vários porta-vozes do Ocidente, entre eles William Hague, o ministro britânico de Relações Exteriores, têm dito que a concordância com esta inspeção veio tarde demais, e que provavelmente ela não obterá evidências conclusivas devido ao tempo transcorrido.

Tais afirmações mostram que o objetivo da intervenção tem mais a ver com o possível enfraquecimento do governo de Assad do que com o possível uso do gás. Ela viria mesmo sem o apoio formal da ONU – apoio este difícil de obter, pois certamente Rússia e China o vetariam no Conselho de Segurança. Por outro lado, não se deve esquecer que já houve constatação de indícios do uso do gás anteriormente, com acusações, inclusive por organismos internacionais independentes, dirigidas tanto contra o regime de Assad quanto contra os rebeldes.

Mesmo entre as potências não há unanimidade: a França é a que mais se mostra inclinada à ação direta; Estados Unidos e Inglaterra se inclinam nesta direção; a Alemanha hesita.  É claro que a decisão mais importante é a norte-americana, pois só os EUA têm capacidade de levar a cabo uma intervenção decisiva, com mísseis da Marinha ou ataques de aviação. A França conta com um forte dispositivo aéreo, mas nada se compara ao poder de intervenção dos navios norte-americanos no Mediterrâneo.

Não se sabe o que fará a Rússia, cuja única base naval fora de seu território está na Síria, diante de uma intervenção militar direta do Ocidente. Se esta intervenção por em risco a segurança da base – seja militar ou política – a Rússia terá de reagir, com consequências imprevisíveis.

Dentro deste quadro, ainda resta por determinar qual será o tamanho da intervenção, se ela vier. Tanto Estados Unidos quanto Inglaterra dão sinais de estar avaliando também este tamanho. Não interessa ao Ocidente uma vitória de Assad, é claro, pois isto significaria o reforço não só de seu governo, mas também do Irã, que o apoia. Mas também a vitória total dos rebeldes é problemática para o Ocidente, pois o protagonismo de organizações filiadas ou simpáticas à Al Qaeda entre os rebeldes cresce cada vez mais.

Ou seja: é muito possível que uma intervenção ocidental leve apenas ao prolongamento da atual situação, afastando ainda mais, porém, a possibilidade de qualquer solução negociada. Esta só seria possível se fosse articulada em dois níveis: o local, entre as forças rebeldes e o governo, e também dentre as forças rebeldes, para as quais a possibilidade de negociação é avaliada de diferentes maneiras; e o internacional, entre as potencias do Ocidente e a Rússia, sobretudo.

Há ainda a questão das forças regionais. A Arábia Saudita apóia claramente os rebeldes, e indiscriminadamente. A Turquia pede a intervenção do Ocidente – tanto porque esta enfraquecerá o regime de Assad quanto porque enfraquecerá também a crescente ascendência dos sauditas na região. O governo de Israel apóia qualquer intensificação militar do conflito, por parte do Ocidente, temendo tanto o reforço do Irã quanto a ascendência dos “radicais islâmicos” diante de uma derrocada pura e simples do regime de Assad.

Dentre todos os atores envolvidos, o que certamente sai perdendo mais é o povo sírio, martirizado por uma guerra que parece não ter fim, produzindo milhares e milhares de mortos e milhões de refugiados.