Manifestações

Os vários Brasis dentro do Brasil

Nunca ficou tão evidente que, dentro do país, muitos e diversos países convivem, nem sempre em paz absoluta

Da direita à esquerda, país mostrou algumas de suas muitas caras durante as recentes manifestações populares

A “crise dos vinte centavos”, vamos chamá-la provisoriamente assim, evidenciou uma gama enorme de leituras sobre nosso país, que se entrecruzam na internet em vídeos espasmódicos no YouTube e mensagens alteradas para todos os lados e gostos.

Comecemos pelo lado mais simples. Existe um Brasil visto pela direita: é um Brasil anti-Brasil, inviável, que deve ser impedido de realizar a Copa. Os interesses para tanto são muitos. Vão desde impor uma paralisia e uma derrota ao governo Dilma, a argumentos de pseudo-esquerda, segundo os quais o país investe em estádios o que deveria investir em educação e saúde.

O argumento desconhece a realidade orçamentária do país. O Orçamento Federal é votado no Congresso. O governo, embora tenha ao seu dispor uma verba de contingência, não pode ir alocando verbas para lá e para cá sem justificativa ou autorização dos parlamentares.

Ademais, as verbas para os estádios advêm de empréstimos aos consórcios encarregados das obras feitos pelo BNDES, não vêm do Tesouro Nacional. Bom, pode-se argumentar: empréstimos do BNDES em geral implicam renúncias fiscais, parece que no caso da ordem de 600 milhões de reais. Poderia ser dinheiro aplicado na educação e na saúde.

Respondem as atitudes do governo: Dilma quer os ganhos do pré-sal investidos na educação; a oposição comandou a renúncia, votada no Parlamento, à CPMF, que retirou 40 bilhões aplicados anualmente na saúde; os investimentos do BNDES beneficiarão micros e médias empresas, empregos etc. A ver.

Na velha mídia fala-se do Brasil de um modo esquizofrênico. De um lado, é necessário “rigor”, “ordem”, “trânsito”, “fim às badernas” etc. De outro, é necessário estimular a desconfiança e as investidas contra as instituições (exceto o STF e o Ministério Público) e os partidos (em particular o PT). Junto com esta mídia, a oposição regular também não sabe muito bem o que fazer. Comemora a queda da popularidade de Dilma, as decantadas vaias (ao lado dos esquecidos aplausos) no estádio Mané Garrincha; mas seu candidato Aécio não sobe nas pesquisas de voto, pelo menos até agora. Quem sobe é Marina. A ver.

Nas ruas, há uma contrapartida desta direita. Não há um golpe de direita no ar, como teme alguma paranoia de esquerda que também se manifesta. Mas há sim golpistas à solta, procurando e fomentando provocações, com o apoio explícito de skinheads e lúmpens das concentrações urbanas. Dá até para entrever o planejamento, fechando avenidas, acesso a portos, atacando a sede de partidos de esquerda, sindicatos, obtendo espaço na velha mídia para suas palavras de ordem. Ainda não têm luz própria: dependem de manifestações alheias para engrossar o caldo.

O PT e áreas afins, como o MST e centrais sindicais, parecem estar acordando de um largo letargo. Estavam sim encostados nas cordas, dormindo na rede, acalentados pela ideia de que a reeleição de Dilma era fava contada. Mesmo as centrais que não a apoiariam não acreditavam que esta poderia estar a perigo. E que isto bastava como horizonte político. Tiveram que acordar na marra, vendo uma parcela da população – a juventude – esquecida pela política manifestando nas ruas. Exigindo ouvidos para ser ouvida.

Ou seja, a questão principal que está colocada é política, não é econômica, embora este lado da política (o econômico) esteja presente. Não há desemprego massivo no Brasil, nem entre os jovens, como há no mundo árabe ou no europeu. Há surdez política para a juventude. Que partido político ou central sindical ou mesmo sindicato pode se orgulhar de uma política para e com a juventude hoje no Brasil? A ver.

Finalmente há um Brasil… não sei como qualificar. Fantasia? Fantasioso? Refiro-me a manifestações que tenho lido e ouvido sobre estar o Brasil num estágio “pré-revolucionário”. O grande entrave para a tsunami revolucionária que do nosso país se espraiaria pelo mundo é o consórcio (pela ordem de importância) “Fifo-Lulo-Dilmo-Alckmino-Haddado-CUT-empreiteiral”.

Para esta visão, a massa ainda não sabe, mas é isto que ela quer. A vanguarda sabe: precisa alguém telefonar para o povão e avisá-lo de que a revolução é iminente. Senão, não haverá nada a ver. A ver.

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