Tribunal alemão barra mídia turca a julgamento de terrorista neonazi

Beate Zschäpe será julgada por terrorismo que vitimou turcos, mas tribunal nada faz para imprensa da Turquia acompanhar julgamento (©tagesspiel/reprodução) No próximo dia 17, uma quarta-feira, vai começar um dos […]

Beate Zschäpe será julgada por terrorismo que vitimou turcos, mas tribunal nada faz para imprensa da Turquia acompanhar julgamento (©tagesspiel/reprodução)

No próximo dia 17, uma quarta-feira, vai começar um dos julgamentos mais explosivos da recente história alemã. A ré é Beate Zschäpe, única sobrevivente de uma célula neonazi que, de 2000 a 2007 assassinou oito cidadãos turcos, um grego e uma policial alemã, além de neste último atentado ferir gravemente um policial e de cometer outros atentados a bomba em bairros de imigrantes e praticado assaltos a bancos para obter fundos.

Foi num desses assaltos que a célula deixou pistas indeléveis, ao ser filmada pelas câmeras da agência. Localizados pela polícia, os dois assaltantes homens, Uwe Mundlos e Uwe Böhnhardt cometeram suicídio, segundo a versão oficial. Beate Zschäpe, que não estava no local, colocou fogo na residência onde o trio vivia, tentando destruir provas. Assim mesmo, a polícia encontrou farto arsenal de armas – inclusive a que pertencera àquela policial assassinada – além de vídeos e outros materiais comprometedores.

Tudo isto aconteceu ao final de 2011. O caso teve desdobramentos complicados, pois veio à tona também o fato de que há 17 anos já havia indícios da ação do grupo – que não foram levados em conta nem pelas polícias envolvidas nas investigações (embora baseados em Zwickau, eles agiram em várias cidades) nem pelos dois serviços secretos alemães, apesar de uma advertência dada até pelo FBI sobre a verdadeira natureza dos crimes.

Em vez de uma célula neonazi, os investigadores concentraram-se na busca de uma hipotética – e fantasiosa – “máfia turca”. Mais: as investigações subsequentes mostraram que houve destruição – negligente ou criminosa – de documentos a respeito da célula logo depois de sua descoberta. Cabeças rolaram, inclusive na chefia de um dos serviços secretos. O Bundestag, o Parlamento Alemão, conduziu uma extensa investigação sobre o caso.

Agora chegou o momento de o caso ir a tribunal, personificada pela sobrevivente da célula. O julgamento vai acontecer em Munique, capital do estado da Baviera. E já antes de começar provocou uma crise de dimensões internacionais. Ocorre que o tribunal encarregado reservou 50 lugares para jornalistas, adotando uma prática de atender a imprensa em ordem de chegada dos pedidos.

É claro que os jornalistas alemães chegaram primeiro. Ficaram de fora emissoras como a BBC e a CNN, por exemplo. Mais grave, no entanto, foi terem ficado de fora a imprensa e a mídia turcas, diretamente interessadas no caso, além do jornal Hürriyet, editado em turco na Alemanha. Há três milhões de cidadãos turcos vivendo no país, sem contar os inúmeros alemães descendentes dos imigrantes mais antigos.

O governo turco protestou junto ao governo alemão. O ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, pediu desculpas pelo que considerou a “insensibilidade” do tribunal para a dimensão do julgamento, mas disse que nada poderia fazer, devido à independência dos poderes. A própria mídia alemã se indignou diante do fato. Diversas mídias – impressas ou de áudio ou ainda audiovisuais – ofereceram suas vagas à mídia turca, mas o tribunal, continuando em sua insensibilidade, não aceitou a troca.

Pelo menos um veículo, a  estatal ARD, anunciou que enviaria para a cobertura um(a) jornalista que soubesse falar turco, para assim poder oferecer uma cobertura cuja transmissão a mídia daquele país pudesse acompanhar. Foram feitas sugestões também para que o tribunal escolhesse uma sala maior, ou instalasse uma transmissão direta em telão numa sala alternativa, ambas rejeitadas. O argumento, repetido ad nauseam, é o de que “este é o nosso sistema, e as pessoas têm de se acomodar dentro dele”.

Um detalhe engrossou o caldo. Tempos atrás houve o julgamento de um jornalista alemão naturalizado suíço, o famoso (aqui) meteorologista Jörg Kachelmann – conhecido por suas tiradas “poéticas”, como chamar nuvens grossas, como os nimbos, de “couves-flor”. O julgamento despertou curiosidades sensacionalistas, pois Kachermann era acusado de estupro contra sua própria namorada, depois de ela ter descoberto que ele lhe era infiel. Kachelmann admitiu as infidelidades, embora dizendo que nunca as ocultara, mas negou o ataque violento. Terminou sendo absolvido, após ter sido praticamente linchado pela mídia sensacionalista como culpado.

Porém, o detalhe que veio à tona foi que na ocasião, como ele era suíço naturalizado, o tribunal em questão – da cidade de Mannheim – imediatamente reservou vagas para a mídia daquele país. Não deu para deixar de levantar as suspeitas de que neste caso o cuidado foi omitido porque a principal mídia em questão seria a turca, embora seja verdade que emissoras de outros países tenham sido igualmente barradas pelo zelo bu(r)rocrático.

Pelo menos um jornal turco, o Sabah, além do alemão Hürriyet, declarou que entrará com recurso na Suprema Corte alemã, em Karlsruhe.

Espera-se que o bom senso prevaleça, mas nunca se sabe o que pode acontecer.

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