O escândalo na França, os paraísos fiscais e o incerto futuro da Europa

Escândalo envolvendo primeiro escalão do governo francês abala Hollande e cria incertezas sobre a Europa (CC/PESCommunications) O governo francês está muito mal das pernas. Como se não bastassem a queda […]

Escândalo envolvendo primeiro escalão do governo francês abala Hollande e cria incertezas sobre a Europa (CC/PESCommunications)

O governo francês está muito mal das pernas. Como se não bastassem a queda vertical de popularidade do presidente François Hollande e uma ofensiva truculenta da direita em todas as frentes – da resistência a seu plano de aumentar os impostos sobre os mais ricos à contra a possibilidade do casamento gay e da adoção de crianças por estes casais, hoje em debate no Senado – a sombra de um escândalo complicado se abateu sobre ele.

O escândalo chama-se Jérôme Cahuzac, nome do ex-ministro do Orçamento do governo. Ocorre que Cahuzac negou durante meses que tivesse uma conta bancária clandestina no exterior, avaliada em 600 mil euros, para afinal reconhecer sua existência na segunda quinzena de março. O presidente Hollande considerou isto uma grave ofensa à república, exigiu a demissão do ministro, mas o escândalo respingou nele, que ficou entre a cruz e a caldeirinha: ou bem sabia de tudo e foi leniente, ou bem não sabia e fez papel de bobo.

A conta de Cahuzac, segundo fontes da mídia francesa teria ficado primeiro na Suíça, depois migrado para Cingapura. Pairam dúvidas também sobre a origem do dinheiro, havendo suspeitas (não comprovadas) de que ela poderia estar na prestação de favores a indústrias farmacêuticas quando Cahuzac ocupou cargo no Ministério da Saúde.

Se confirmada, a migração da conta de Cahuzac (por ser clandestina ela caracteriza crime de evasão fiscal) aponta fenômeno característico da Europa de hoje. Antigo paraíso bancário e fiscal, a Suíça atual não o é mais, estando sobre escrutínio generalizado dos países vizinhos, da União Europeia, do Banco Central Europeu e do fisco norte-americano, além de outros. Em consequência disso, os evasores fiscais do continente estão indo cada vez mais longe: além das tradicionais Ilhas Caimãs, e das ilhas Virgens, os novos destinos procurados são Cingapura, as ilhas Cook, a Mongólia, entre outros.

Informações detalhadas distribuídas por algumas redes ( Tax Justice Network, International Consortium of Investigative Journalists, Global Witness) dão conta de 120.000 empresas e 130.000 pessoas físicas) (estas, todas, enormemente ricas), de 170 países, que mantêm contas, nem todas clandestinas, nestes paraísos fiscais. Isto não quer dizer que todas estas empresas, pessoas e agentes financeiros sejam contraventores, mas sim que há, pelo menos, muito o que investigar neste terreno.

Os nomes envolvem altos figurões da política européia, de sua “high society” e de outros cantos do globo, do Azerbaijão à Geórgia, da Espanha às Filipinas.

Mas as revelações apontam mais: o papel de bancos, inclusive de porte, como na Alemanha, em facilitar o envio de grossas somas de dinheiro para fora do alcance dos respectivos fiscos. Engrossa este caldo os desdobramentos da recente crise dos bancos do Chipre, apontados como grandes centros de lavagem de dinheiro.

Se é verdade que estas revelações ameaçam os segredos de muitos poderosos pelo mundo, o fato é que seus efeitos imediatos recaem sobre o governo francês. Outro auxiliar próximo do presidente Hollande, Jean-Jacques Augier, que foi tesoureiro de sua campanha, também está na mira das investigações, acusado de ter conta nas ilhas Caimã. Augier nega que tenha feito algo ilegal, embora admita que foi imprudente. Alega não ter conta no exterior e ter feito apenas investimentos numa empresa que, por sua vez, investe em fundos chineses.

As dificuldades por que passa o governo francês certamente terão repercussão na política europeia como um todo, já que ele era uma possível – ainda que tímida alternativa às políticas de austeridade que vêm devastando direitos de trabalhadores e as próprias economias do continente.

Agora, com certeza, a formulação de alternativas terá mais dificuldades pela frente.  

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