Austeridade europeia dá novos sinais de afundamento à vista

Mar da política e da economia pode levar o navio da União Europeia ao fundo. Sinais de avarias já são visíveis (CC/wikimedia) Dias atrás foi o “bote salva-vidas” da dupla […]

Mar da política e da economia pode levar o navio da União Europeia ao fundo. Sinais de avarias já são visíveis (CC/wikimedia)

Dias atrás foi o “bote salva-vidas” da dupla de economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff que naufragou, deixando os arautos da austeridade nus teoricamente. Embora continuem firmes na ideia de que só eles comem os frutos da árvore da ciência do bem e do mal.

Mais recentemente outra bomba de fragmentação explodiu na arca dos austeros, desta vez avariando a casa das máquinas. O presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Barroso, deu uma cautelosa declaração dizendo que a austeridade está certa no fundamento, mas que teria chegado ao seu limite.

Nossa! Tacapes (e cabelos) se levantaram imediatamente de Wall Street a Berlim, dizendo que “abandonar” a austeridade faria o barco afundar. Que barco? Não se sabe muito bem, pois poderia ser tanto o barco da Zona do Euro e com ele o da União Europeia, quanto o barco dos próprios governos que eles representam ou dos princípios que defendem na mídia e fora dela.

Mas pedras voaram, levando o presidente Barroso a argumentar, através de porta-vozes, que “ele não fora entendido muito bem”, que jamais dissera que se deveria abandonar a austeridade etc. Não adianta: a emenda sempre sai pior do que o soneto. Ficou no ar um cheiro de queimado. E a queimada, no caso, foi tanto a relação de Barroso com Angela Merkel quanto a própria chanceler alemã, cujo futuro político não parece róseo.

O que está queimando – ardendo e caindo em cinzas – é o próprio prestígio da União Europeia e do seu motor econômico, o euro, que tem este papel mesmo para as economias do continente que não o adotaram como moeda. Pesquisa recente, divulgada no The Guardian, mostra que a confiança no bloco econômico continental está afundando rapidamente no continente.

A pesquisa foi feita em seis países (Polônia, Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Espanha) que representam 2/3 (350 milhões) da população total da União Europeia (500 milhões). Comparou ela dados sobre os percentuais da população que manifesta a falta de confiança, em 2007 e 2012. Os resultados foram estes:

 

País20072012
Polônia18%42% 
Itália28%53% 
França41% 56%
Alemanha36%59%
Reino Unido49%69%
Espanha23%72%
  

 

Dentre estes países o caso mais dramático é o da Espanha. Depois da desilusão com os socialistas, que aplicaram os princípios (que vem sendo agora chamados de “sádicos”) da austeridade, os espanhóis amargaram o pior com o governo conservador de Mariano Rajoy. O desemprego atingiu a marca de 27%. Isto levou a presidenta do FMI, Christine Lagarde, a também jogar sua bombinha na arca da austeridade, dizendo que a Espanha deveria ter “mais tempo” para fazer seus ajustes de redução de déficit.

Entretanto, Rajoy, depois de ter parte de seus cortes (em pensões e salários do funcionalismo público, além de em outros quesitos, como o seguro desemprego) vetados pelo Tribunal Constitucional da Espanha, voltou a anunciar mais cortes no orçamento, sobretudo em saúde e educação.

Na Itália – que agora tem novo primeiro-ministro indicado pelo presidente Giorgio Napolitano –, o “imorrível” Berlusconi volta a agitar o cenário político. O novo primeiro-ministro designado é Enrico Letta, de 46 anos, vice-líder do Partido Democrático (ex-PCI), que entrou no lugar do líder do Partido, Pier Luigi Bersani, que não conseguiu formar um governo de coalizão com o Movimento Cinco Estrelas, do ex-comediante Beppe Grillo.

Bersani entregou em lágrimas o bastão a Letta, que agora terá a espinhosa tarefa, precipuamente dada a ele por Napolitano, de formar um governo com três forças políticas: além do PD e do Partido da Liberdade, de Berlusconi, com os partidários do ex-primeiro-ministro Mario Monti, que poderia ser indicado para o Ministério de Relações Exteriores.

Tão forte é a posição de Berlusconi, agora visto como um anti-euro (pelo menos, senão anti-UE), que se afirma ter ele vetado o nome de Matteo Renzi, atual prefeito de Florença, também do PD, por ser ele “demasiado à esquerda”. Renzi reagiu com humor, dizendo que ser vetado por Berlusconi seria algo positivo para seu futuro político.

Mesmo na poderosa Alemanha – com seu poder agora reforçado e também com o ressentimento reforçado pelos bailes que seus dois times na copa interclubes nos espanhóis Barcelona e Real Madrid – a situação não é rósea. Além dos índices da pesquisa acima referida, outras pesquisas mais recentes mostram que o Partido Alternativa para a Alemanha, declaradamente anti-euro (embora não anti-U. E.), atingiu pela primeira vez desde sua criação semanas atrás, a cláusula de barreira do Bundestag, que é de 5%.

Isto é uma má notícia para a chanceler Angela Merkel, não só porque muitos dos eleitores deste novo partido são egressos da União Democrata-Cristã (de Merkel) mas porque são também egressos de seu correligionário de governo, o FDP, cuja canoa há meses flutua mal e mal em torno desta cláusula de barreira, oscilando entre 3 e 5%.

Se o FDP afundar e ficar fora do Bundestag, a chanceler (cujo partido deve ser o mais votado, mas sem maioria absoluta) seria forçada a buscar uma coalizão com o SPD, que será o segundo mais votado. Se ela não conseguir formar esta coalizão, o líder do SPD seria chamado a formá-la, e neste caso ele certamente procuraria os Verdes para fazê-la, não a CDU.

Em suma, a Nova Europa parece cada vez mais grisalha e encanecida. Mas nada disto vai demover os arautos e adeptos da austeridade de incensá-la. O que nos leva à conclusão de que a arca pode afundar e os pacientes – o euro e a U. E. – correm o risco de se afogar, o que seria uma catástrofe mundial. A menos que se troquem os pilotos da arca e a equipe médica que cuida dos pacientes e, sobretudo, as ideias a que se aferram.