Islândia: uma lição de democracia à Europa ‘austera’ – parte final

A brasileira Erika Carneiro: o dia em que a Islândia parou… Tudo tem um fim. Inclusive esta série. Mas não é a este fim que estou me referindo agora. Trata-se da […]

A brasileira Erika Carneiro: o dia em que a Islândia parou…

Tudo tem um fim. Inclusive esta série. Mas não é a este fim que estou me referindo agora. Trata-se da sensação de “fim de mundo” que se abateu sobre a Islândia no começo de outubro de 2008, quando a crise financeira se escancarou.

Conversei com a brasileira Erika Carneiro, que viveu aquele período muito de perto. Seu marido Hlynur* trabalhava numa empresa de consultoria econômica. Contou-me ela que tempos antes ele vinha pressentindo os sinais da crise. Aconselhara pessoas próximas a venderem ações que tinham, inclusive dos bancos que, mais tarde, acabariam quebrando e arrastando o país para o sorvedouro. Não o ouviram, e foi tudo para o buraco, junto com os bancos: milhões de euros se evaporaram da noite para o dia.

Ela contou-me que no dia 8, o dia fatídico em que a quebradeira explodiu, tudo parou. Enquanto eu ouvia, foi inevitável lembrar-me do Brasil em dia de Copa do Mundo. Mas não havia Copa, não havia time em campo, não havia mais campo, e o jogo era de cartas marcadas.

“Naquele dia”, lembrou ela, “tudo parou. Ninguém trabalhou. As pessoas ficaram grudadas nos rádios, na TV, ouvindo o noticiário”. E o noticiário confirmava aquilo em que quase ningué quisera acreditar: o país quebrara.

Antes, houvera como que uma febre coletiva. Pessoas venderam o que tinham: pescadores venderam seus barcos, proprietários venderam seus imóveis, para jogar as reservas no mercado de ações. Enquanto isso, o mercado financeiro islandês jogava o que tinha e o que não tinha, tomando empréstimos vultosos, em investimentos “seguros”, como o mercado subprime norte-americano, o Lehman Brother’s… O que era “seguro” então? Essa palavra virara sinônimo de “retorno vultoso e rápido”. O retorno veio rápido, de fato: um sopro gelado desmanchou o castelo de cartas.

“Hlynur voltou para casa apreensivo”, continuou ela. “Dias depois os temores se confirmaram. Ele foi chamado na empresa – que era de gente legal, que o apoiara, e que apoiava seus trabalhadores – e lhe disseram que não dava mais, a situação ficara insustentável”. “Em resumo, ele estava desempregado e nós, com uma filha e uma hipoteca a pagar”.

“Decidimos procurar emprego fora do país, ele na Noruega, eu na Alemanha, onde vivera por muito tempo”. “Eu consegui primeiro, e me mudei com a filha de novo para Berlim”.

“O período que se seguiu foi muito difícil. Hlynur não conseguiu emprego na Noruega. Acabou trabalhando de novo na Islândia, eu fiquei na Alemanha. Ficamos meses separados”.

Felizmente veio a recuperação do país. O casal tem mais uma filha, mora de novo em Reykjavik, Hlynur tem um emprego no Ministério da Economia, a esperança voltou.

Para encerrar, fico com o pensamento de que a Islândia, como um todo, foi vítima dessas alucinações coletivas agora enfunadas pelo neoliberalismo de um lado, assim como, no Brasil, tinham sido enfunadas mais antigamente pelo “milagre econômico”, ao tempo da ditadura. A queda do cavalo foi dura, mas o país encontrou uma maneira democrática de enfrentar a presente crise (estou falando da Islândia, embora hoje o Brasil também tenha encontrado uma maneira democrática de enfrentar a crise).

Essa maneira poderia ser uma profunda lição para a Europa inteira, que, de momento, permanece amarrada a essa outra “alucinação coletiva”, a dos planos de “austeridade” do fundamentalismo ortodoxo.

*Registro que tanto a Erika como o Hlynur deram contribuição fundamental para a realização desta série, fazendo contatos e marcando entrevistas, além de me acompanharem em Reykjavik.

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