O euro: crescer ou murchar até implodir. Ou explodir

“Acrópoles, adeus”. A revista semanal alemã mostra que a União Europeia trama a saída da Grécia da zona do Euro (©reprodução) Ficar como está é que não pode. Quero dizer, prisioneiro […]

“Acrópoles, adeus”. A revista semanal alemã mostra que a União Europeia trama a saída da Grécia da zona do Euro (©reprodução)

Ficar como está é que não pode. Quero dizer, prisioneiro de um caixa-forte onde trabalham pessoas que não ouvem nem vêem as ruas. Conseguem prestar atenção apenas nos próprios dogmas obtidos, construídos ou comprados através de um ensinamento da insensibilidade misturada com subserviência e arrogância. Subserviência em relação aos de cima; arrogância em relação aos de baixo, ou até àqueles que estão ao lado, mas fora da caixa-forte.

A grita(ria) vem de todos os lados: da esquerda, da direita, dos crentes e dos descrentes.

Levei um susto hoje de manhã, segunda-feira, 14 de maio. Desci para comprar um exemplar da revista Der Spiegel, cuja manchete diz: “Acrópole, adeus: por que a Grécia deve abandonar o euro”. A manchete em si já me assustara. A Der Spiegel é decididamente pró-euro, pró-União Europeia, pró-liberal, muito anti-esquerda (e também muito anti-extrema direita). 

Entrei numa revistaria que nunca entrara. Pedi a revista, e o dono, na caixa, me apontou onde ela estava. Quando fui pagá-la, vi a manchete do Bild, jornal sensacionalista, que dizia, sobre uma foto da chanceler Angela Merkel: “Ein bitterer Muttitag”,  “Um amargo dia das mães”. Mutti é mamãe, em linguagem de criança, como muitas vezes é descrita a chanceler Angela Merkel. Era uma referência à eleição fragorosamente perdida pelo seu partido, a União Democrata Cristã, no estado da Nordrhein-Westfalen (Renânia do Norte-Vestfália), o mais populoso do país.

Comentei algo sobre dias difíceis, e o dono da revistaria me surpreendeu com uma diatribe contra os políticos, que para ele a política pouco importa, pois são todos iguais, na política só contam os lobistas, e que eles, os políticos só agem a favor dos bancos etc. etc. etc. Eu não conhecia o dono, nem ele me conhecia: isso é extremamente raro aqui na Alemanha, que eu saiba, ou pelo menos que eu soubesse até hoje. Devo dizer, aliás, que ele falou comigo mais tempo sobre política do que muitos de meus amigos fazem, tratando desse tema “incômodo” com muito tato e discrição.

Não me pareceu que ele, o revisteiro, fosse de esquerda. Estava simplesmente ecoando aquele conhecido clima de hostilidade à política que é um apanágio do pensamento conservador encruado, que não tem coragem de se expor como tal.

Mas pensei, por outro lado, que esse sentimento de descrença e descrédito vem sendo intensificado nos últimos tempos, e em toda parte. Por exemplo: o ex-primeiro-ministro grego, Georges Papandreou, caiu porque anunciou que iria fazer um plebiscito sobre o plano de “austeridade” na Grécia. Em conjunto, a Comissão Europeia, o Conselho Europeu (Merkel e Sarkozy à frente), o Banco Central Europeu o depuseram, pondo no seu lugar o buro/tecnocrata Lucas Papademus, que “governou” o país até agora.

Bom, o plebiscito acabou acontecendo, na última eleição: os partidos que sustentavam Papademus afundaram nos votos, a esquerda e a extrema-direita cresceram, ninguém conseguiu formar um novo governo, a Grécia está desgovernada. O partido que mais cresceu, o esquerdista Syriza, se nega a integrar qualquer governo que defenda o atual plano, e se aferra às previsões de que, se novas eleiçòes ocorrerem, ele terá 25% dos votos, em vez dos 16,5% que já obteve, superando o socialista Pasok.

Enquanto isso, crescem as nuvens ameaçadoras de todas as retóricas possíveis em torno da Grécia. Antes não se admitia que a Grécia saísse do euro: agora, na verdade, já se trama a sua saída. Como os gregos não votam de acordo com o figurino, então que se esboroem de encontro à própria desgraça. Ao invés de problema, passarão a ser vistos como um exemplo: a criança desobediente que é exemplarmente punida para ensinamento dos demais: ficará ao relento, exposta ao frio e à chuva.

O figurino da “austeridade” vem se provando apertado demais para os usuários em todos os cantos do mundo. Porém aos olhos dos encarregados da caixa-preta, se o figurino sufoca o cliente, dane-se o cliente; deve-se manter o figurino a qualquer custo.

Se as coisas forem adiante do jeito que estão, se a economia do euro continuar a ser manejada desse modo, com o esvaziamento dos poderes institucionais e o reforço do poder dos bastidores tecno-burocrático-financeiros, o espaço europeu marchará para a desarticulação, a confusão, o vazio e possivelmente o caos.

Por isso é preciso mudar a lógica do jogo. Ou o euro cresce, quer dizer, as instituições que o governam de fato passam a agir em função do crescimento, ou ele murcha, implode ou até explode. Mas deixando atrás de si um monte de países em escombros.

E fazendo do desencanto programado do dono da revistaria uma razão de ser e sobreviver consistente até que um novo líder populista de direita ressurja das cinzas do último para semear novamente a tragédia.

Essa é a razão pela qual todos os olhos e ouvidos devem se concentrar no encontro dessa terça-feira entre a conservadora Angela Merkel (que vem de seguidas derrotas eleitorais) e o socialista François Hollande (que vem de uma retumbante vitória).

Claro: o clima ensaiado será o de concertação, entendimento. Será preciso muita atenção às entrelinhas. Porque trata-se de algo parecido com uma final de copa do mundo. O prêmio pode ser a “copa do fim do mundo”. 

A ver.

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