A França e seus dois futuros

O comportamento de Sarkozy diz respeito ao fato de que ele tem nada ou muito pouco a defender (Foto: Reuters) Para quem assistiu ao debate entre Nicolas Sarkozy e François […]

O comportamento de Sarkozy diz respeito ao fato de que ele tem nada ou muito pouco a defender (Foto: Reuters)

Para quem assistiu ao debate entre Nicolas Sarkozy e François Hollande na quarta-feira, ou dele teve notícia, uma coisa ficou clara: o primeiro está na defensiva, ou seja, na ofensiva.

Sem que Hollande se comporte como o virtual presidente eleito, ou favorito, sempre alertando para que “nada está decidido”, Sarkozy vem se comportando como se fosse ele o candidato de oposição. Em parte, esse comportamento esdrúxulo se deve ao fato de que, por mais que o atual presidente pule de Herodes para Pilatos, corteje o bezerro de ouro e ao mesmo tempo se apresente como o portador das tábuas da lei, Hollande permanece na frente, nas pesquisas.

Sarkozy também levou um duro golpe quando Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita (com 18% dos votos no primeiro turno), anunciou que votará em branco no próximo domingo, embora liberando seus seguidores (ou súditos, ou séquito…) para votar de acordo com a consciência de cada um.

Mas esse comportamento de Sarkozy tem a ver também com o fato de que ele nada ou muito pouco tem a defender. Se ele se apresentar como o campeão de sua gestão, seu destino estará traçado de uma vez por todas, e o nó da corda em seu pescoço terá sido atado por ele mesmo, tão mal julgada ela tem sido pelos cidadãos que vão votar no dia 6. A rejeição a Sarkozy é enorme; então ele não tem outra saída a não ser a de não ser Sarkozy, mas um ser interplanetário que acabou de chegar na eleição.

Seu caminho, portanto, é do atacar Hollande sem mercê nem descanso: Hollande é o desastre, ele mente, ele vai destruir o Estado e a nação, etc. Ele, Hollande, e os sindicatos, seus apaniguados, que, segundo o presidente, deveriam abandonar as bandeiras vermelhas com que desfilam e empunhar a bandeira francesa.

Assim mesmo, apesar das artimanhas desse novo sátiro da política gaulesa, no sentido de que se satiriza a si próprio, confrontos houve. Um deles se deu quanto à educação, ou seja, o futuro.

Sarkozy questionou o plano de Hollande de abrir 60 mil novas vagas para professores no ensino francês. Os argumentos eram o de sempre: aumentos dos gastos públicos, do funcionalismo, etc. Hollande respondeu que se via na contingência de fazer esse aumento, depois que Sarkozy tinha reduzido o sistema público de ensino francês à inanição, através de uma política de cortes draconianos nos investimentos estatais. Sarkozy treplicou: ofereceu um aumento de 500 euros no salário dos atuais professores. Sim, mas desde que… eles trabalhem muito mais, é claro. Atualmente um professor com contrato normal deve dar 18 horas de aula por semana. Essa carga passaria para 21 horas, mais 5 de atendimento a pais e alunos, ou seja, 26 horas de trabalho.

Essa foi, até o momento, a filosofia de Sarkozy: aumentar a carga de trabalho de quem “está dentro”, e criar a consigna de que “quem está fora não entra”, reafirmando a “síndrome de arca de Noé” que se refere também aos imigrantes. Trabalhe mais e receba menos (apesar dos 500 euros), tenha sua aposentadoria diminuida e seu tempo de trabalho aumentado: só assim estareis no reino dos céus.

A maior questão, na verdade, neste momento, é esperar para ver se Hollande, confirmando sua eleição no domingo, levará adiante suas propostas. Não só a de recuperar o estado francês, fortalecendo, por exemplo, a educação, mas de liderar a revisão do pacto fiscal europeu e das políticas recessivas que vêm levando o continente à inanição. Caso contrário, ele poderá passar para a história como um… segundo Sakozy, ou Sarkozy segundo, o que prometeu e não cumpriu.

Mas, como diz o candidato socialista, nada está definido. A ver (e torcer) no domingo.

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