Os Brics e seus desafios

A reunião dos Brics na Índia ressaltou seus desafios internos e externos. O maior desafio interno é o de atingir, sem solavancos maiores, um patamar de entendimento que permita a […]

A reunião dos Brics na Índia ressaltou seus desafios internos e externos.

O maior desafio interno é o de atingir, sem solavancos maiores, um patamar de entendimento que permita a construção de um banco de desenvolvimento comum. Isso é uma necessidade –sobretudo para Índia, África do Sul e até a Rússia. Para a China, que faz um papel de coringa maior em várias frentes, essa seria mais uma frente para jogar com seus trilhões de reservas em qualquer moeda. Para o Brasil, que tem o BNDES – um banco maior que o Banco Mundial atrás de si, seria uma nova frente de investimento internacional. Seria muito eficaz se aliada à prática, que parece avançar, de se comerciar em moedas outras que não o dólar. Mas isso também é um desafio, pois o desequilíbrio interno dos Brics é muito grande: talvez a sigla devesse ser escrita briCs, se me entendem.

Mas há os desafios externos. O mais imediato é implementar a sua reivindicação de que a estrutura do FMI seja reformulada, sem falar em outros mecanismos e espaços internacionais. A proposta atualmente em debate elevaria o poder de voto (o poder de poder, simplesmente falando) a 16% das cotas do Fundo – igual a dos Estados Unidos. Para quem representa hoje um pouco mais do que um quarto da economia mundial, e em ascensão, é pouco. Mas é muito, dados os seus atuais 10% das cotas de voto. E deve-se levar em conta que o FMI é uma instituição extremamente conservadora, embora a atual administração, de Christine Lagarde, pareça dar continuidade aos planos de reforma do infeliz Dominique Strauss-Kahn.

Mas o maior desafio é o da credibilidade. Não faltam coveiros da ideia de que um parceiro internacional à altura da dupla EUA – União Europeia possa se constituir. Apontam para a diversidade de interesses (que é real), a diferença de estruturas políticas (que é real), a diferença na situação de “global players” – entre nações que são, três, membros do clube nuclear e envoltas em atritos bélicos externos e/ou internos, uma, sem vocação militar, e mais uma, sem vocação militar, embora nos tempos apartheid tenha participado de uma aventura nuclear conjunta com Israel, que mais parece, no grupo, uma subsidiária da China.

Sim, como apontei, todas as diferenças são reais. Porém, os analistas que se querem coveiros daquela ideia esquecem, sistematicamente, que os Brics agem na periferia – feliz e infelizmente – de um sistema ocidental que naufragou na sua própria crise financeira e – mais significativo – na inadimplência de seu ideário, de sua imaginação, para enfrentá-la.

Tem razão a presidenta Dilma Rousseff quando critica os países do bloco central do ocidente pelo seu comportamento – tanto o que levou à crise, pelaas várias irresponsabilidades de governos e de agentes financeiros – como pelas saídas propostas – derramando dinheiro na burra dos burros – os bancos que se atolaram – e ao mesmo tempo esmagando o poder aquisitivo e o de participação democrática de seus trabalhadores e população em geral. Tais atitudes vêm ameaçando o mundo inteiro com uma recessão que pode levar a regressões políticas de grande monta, como atesta o contínuo aceno de soluções de extrema direita na Europa.

E há ainda o desafio maior de promoverem-se os Brics como porta-vozes de um mundo terceiro que está sôfrego por representatividade – sem voz no cassino em que, com a conivência dos governantes europeus e dos EUA, as finanças transformaram o universo do investimento econômico. É o desafio de não se constituírem apenas como os valetes de uma nova elite que continuará a cortejar os reis e rainhas do baralho.