A vez da Síria

O presidente Bashar al-Assad tenta se manter no poder na Síria, onde está desde 2000 (Foto: ©Reuters/Arquivo) Vamos passar o fim de semana na Síria, pra (tentar) ver o que […]

O presidente Bashar al-Assad tenta se manter no poder na Síria, onde está desde 2000 (Foto: ©Reuters/Arquivo)

Vamos passar o fim de semana na Síria, pra (tentar) ver o que está acontecendo. Deixemos para segunda-feira um comentário sobre a situação crítica em Portugal, onde as armas e as bagagens do FMI se apresentam a desembarcar, com a ajuda do Fundo de Emergência para a Proteção do Euro, a quem nosso “pá” vai pedir entre 80 e 90 bilhões de euros para saldar suas dívidas com os bancos predominantemente espanhóis e alemães – estes sim, os verdadeiros socorridos pela ajuda.

Na Síria, numa tentativa de conter e esvaziar os protestos duramente reprimidos (173 mortos até aqui, segundo a Insan, uma associação de direitos humanos), o presidente Bashar al-Assad reuniu-se com o líder islamista Daid Ramadan al-Bouti. A reunião foi importantíssima do ponto de vista político, já que o governo sírio se auto-proclama laico e uma das suas pedras de toque, graças a qual consegue se equilibrar entre as etnias e grupos religiosos, foi a repressão duríssima à Fraternidade Muçulmana.

Um dos resultados dessa reunião foi a readmissão de 1,2 mil professoras que tinham sido dispensadas por usarem na escola o niqab – o véu muçulmano que só deixa descobertos os olhos. Outro foi o fechamento do único cassino em operação no país, aberto no Ano Novo.

Ambas as concessões foram definidas como feitas para contentar a maioria de origem Suni, muçulmana, e que representa cerca de 74% da população, estimada entre 27 e 28 milhões de habitantes. Essa maioria teria uma contínua insatisfação diante da minoria Alawite, que seria de 13%, de onde procede o presidente Bashar, e que acumularia benefícios a partir da proteção do Estado.

Outras medidas compreenderam a concessão da cidadania síria aos 200 mil curdos que residem no norte do país, até hoje definidos como apátridas. O impacto político dessa medida vai além de beneficiar uma pequena minoria, porque mais de 10% da população tem ascendência curda. Foi afastado o governador da província de Homs, uma reivindicação dos manifestantes, e ficou acordada a permissão para a criação de um partido político e de um canal de TV islâmicos.

O partido Baath, que quer dizer aproximadamente “renascimento” ou “ressurreição”, foi fundado em 1947, com um amálgama de princípios socialistas e positivistas de inspiração francesa (como no Brasil), temperados por um estilo de comportamento jacobino radical. Saddam Hussein também pertenceu ao Baath, que chegou ao poder no Iraque e na Síria. Neste país ele está no poder desde 1963, com uma dinastia de pai para filho: o antecessor de Bashar (no poder desde 2000) foi seu pai Hafez, que governou durante 30 anos.

Em duas coisas o atual presidente não deu mostras de querer mexer. A primeira é a retórica anti-Israel, que garante uma alta popularidade entre as populações árabes. Legalmente a Síria ainda está em guerra com o estado judaico, embora tenha respeitado estritamente o cessar-fogo. A outra é a lei de emergência (estado de sítio), em vigor há dezenas de anos, e que garante o poder de prender e reprimir arbitrariamente. Hoje em dia estima-se em 4.500 o números de presos políticos no país.

Fica a dúvida, ainda, se aquelas concessões vão de fato neutralizar a onda de protestos. Esta parece ter origem em motivos para além das desavenças étnicas ou diferenças religiosas (80% da população é muçulmana, 13% cristã, 3% drusos e 4% “outros”).  Na capital, Bagdá, uma grande parte dos protestos nasceu nos bairros pobres da cidade, o chamado “cinto de pobreza”.

Desde sua chegada ao poder, Bashar implementou algumas reformas visando aproximar o país de uma economia de mercado. Isso aumentou o poder aquisitivo de uma classe média que agora quer mais concessões políticas; por outro lado, aumentou a pobreza de quem já era pobre, o que também tem alimentado os protestos.

Confirmando a dúvida, novos protestos ocorreram no “cinturão pobre” da capital nesta sexta-feira. Houve repressão violenta pelas forças de segurança, e as informações iniciais davam conta de 40 mortos entre os manifestantes.

A maioria dos analistas na mídia internacional não espera uma queda de governo, como ocorreu no Egito e na Tunísia, nem uma guerra civil, como a da Líbia. Fala-se, isso sim, sobre qual será o tamanho da régua com que Bashar fará concessões para manter o equilíbrio de que disfrutou até agora.