Euro vs. Euro: as duas faces da mesma moeda

Euro, como as moedas, têm duas faces (Foto: Miroslav Sárička/Sxc.hu) Toda moeda tem duas faces, como o deus Janus da mitologia romana, que olhava para o futuro e o passado […]

Euro, como as moedas, têm duas faces (Foto: Miroslav Sárička/Sxc.hu)

Toda moeda tem duas faces, como o deus Janus da mitologia romana, que olhava para o futuro e o passado ao mesmo tempo. Ou como o chapéu de Exu, que era verde de um lado e vermelho do outro, provocando controvérsias por onde passava.

Se olharmos a moeda Euro, acontece algo análogo. Por exemplo: o Euro pode ser a salvação da Alemanha, e pode ser a cova da Grécia.

Há sinais de uma já não muito discreta euforia em torno do atual desempenho econômico alemão. Enquanto isso, a Grécia vai se afundando num pântano político de saída cada vez mais complicada.

No caso alemão, vê-se uma queda de braço nos bastidores da moeda. A atual crise do sistema financeiro e da dívida pública dos países da zona do Euro trouxe à tona o banido Lord Keynes e suas teorias sobre a intervenção macroeconômica do Estado. Idéias como essa estiveram na base de atitudes como a intervenção norte-americana no sistema. Também naquele momento mais agudo o Reino Unido enveredou por esse caminho. Até a Alemanha da chanceler Ângela Merkel seguiu a caravana, ainda que de modo relutante, até o limite de construir um fundo para suporte do Euro – atitude puxada “manu militari” por Sarkozy, que, consta, deu murros na mesa e ameaçou abandonar a moeda única se a medida não fosse tomada.

Mas a partir daí a sereia do canto foi diferente, porque para a constituição de tal fundo foi necessário chamar o FMI e suas conhecidas receitas recessivas, que afundaram a Argentina, o México e o sudeste asiático no século passado.

À Alemanha, no dizer da chanceler, cabia “dar o exemplo”, para que fosse seguida ou pelo menos ajudasse a segurar medidas semelhantes pelos países da periferia do Euro e que estavam mais a perigo de entrar na zona da insolvência onde a Grécia já estava atolada. E ela deu.

Adotou, ao contrário da aposta feita pelo governo de Obama do outro lado do oceano, a tradicional saída de favorecer exportações e desestimular importações – não através de uma regulação cambial, coisa que parece inverossímil para uma mesma moeda que atende a 16 países ao mesmo tempo – mas através da compressão do poder aquisitivo da população para baratear o custo daquelas e bloquear o consumo destas e da redução de investimentos públicos, para garantir a progressiva renegociação das dividas públicas junto às instituições financeiras, captando-lhes a “confiança”.

O impacto imediato dessas disposições foi um aumento nas exportações e uma nova oferta de empregos. Porta-vozes governamentais já prevêem que ainda este ano o número de desempregados na força de trabalho alemã poderia baixar a marca dos 3 milhões, o que seria um marco histórico. Ao mesmo tempo apontam para uma recuperação da média empresa industrial.

Entretanto, essa ainda pequena maré de euforia encontra pela frente os seguintes arrecifes:

  1. Cresceu a oferta de “empregos temporários”. Há um esforço, por parte da coligação governante, para garantir aos “temporários” a mesma paga dada aos “permanentes”, dentro, é claro, da expectativa de que haverá uma redução geral de salários nos próximos anos. Se isso vai tornar a economia sustentável diante do pacote recessivo cujos efeitos de longo prazo ainda não se avolumaram, é uma aposta a verificar.
  2. O esforço nas exportações depende tanto das importações chinesas – inclusive na construção civil – quanto de tornar a produção alemã competitiva dentro da própria zona do Euro, o que pode onerar os outros países de economias mais frágeis e atados à mesma moeda – como a já comprometida Grécia, além de Portugal, Espanha, Itália e outros. Ao mesmo tempo, se a economia chinesa refrear o seu ritmo de crescimento, ainda que ele se mantenha alto, isso terá um efeito mundial ainda desconhecido.
  3. A popularidade do governo alemão está em níveis mínimos para a sobrevivência política da coligação no governo. A maré de euforia na mídia se sobrepôs –não anulou – a maré negativa anterior de críticas tanto à prolongada falta de ação do governo quanto às medidas rigidamente recessivas do pacote econômico. Até que ponto a situação política poderá influenciar o desempenho econômico é questão ainda não avaliada, embora sempre haja o esforço de demonstrar que isso é impossível, dada à crença “comum” nos “pressupostos da economia de mercado”, ou seja, os centrados em torno da idéia de que o Estado e suas regulações devam ser mantidos o mais longe possível.
  4. Ainda que seja a economia mais forte da zona do Euro, Alemanha não poderá sair sozinha da crise. A situação geral da moeda vai depender do bloco inteiro, e da relação entre as peças do conjunto. Até aqui o que vem aparecendo de modo mais consistente é que, como costuma acontecer, a crise engendrou concentração de capital e, com isso, a sua própria “periferia”, formada pelos países mais pobres ou menos ricos do grupo, como se queira olhar.

 A atual situação e essas perspectivas não tão róseas parecem apontar para a confirmação de conhecido ditado, “chucrute pouco, meu Euro primeiro”, o que faz com que a moeda única seja bóia de flutuação para uns e peso morto para outros. Mas todo estão à deriva na areia movediça da economia (des)regulada pela ciranda financeira, o endividamento estatal e a brutal transferência de capitais da esfera pública para a privada que isso representa.