Futebol: fábrica de sonhos e de pesadelos

Meninos assistem a um jogo de futebol, na cidade de Nseh, em Camarões (Foto: rbairdpccam/Flickr) Europa e África: dois continentes frente a frente, também no futebol – não só em […]

Meninos assistem a um jogo de futebol, na cidade de Nseh, em Camarões (Foto: rbairdpccam/Flickr)

Europa e África: dois continentes frente a frente, também no futebol – não só em campo, mas também fora das quatro linhas.

Um dos temas que a realização da Copa na África do Sul foi o do êxodo de jogadores ou candidatos a jogadores da África para a Europa. 25% dos jogadores estrangeiros que jogam nos clubes europeus de primeira divisão vêm da África. Mas nem todos os candidatos têm essa sorte.

Em quase todos os países africanos há pelos menos uma “academia” de futebol. Normalmente, essas academias são dirigidas por europeus ou ex-jogadores africanos de clubes europeus. Recrutam jovens nos subúrbios ou favelas das grandes cidades: aqueles em quem os donos e técnicos das academias reconhecem algum potencial para o antigamente chamado “esporte bretão”.

Artigo publicado no site internacional da revista alemã Der Spiegel descreve o processo em seus detalhes (Christopher Biermann/Maik Grossekathöfer, “Europe’s Thirst for young african footballers“, 06/04/2010).

As academias investem no jovem. Isso envolve contato com os pais e a autorização deles, trazer o jovem para a academia e lá hospedá-los. Além disso, seguem-se despesas com alimentação, cuidados médicos, treinamento etc. O tempo de investimento num possível atleta varia de acordo com sua idade quando do primeiro contato. Pode ir de cinco a dez anos. Depois, se algum deles for contratado por um clube europeu, o dono da academia recolhe uma porcentagem sobre o valor do contrato.

Até aí, mesmo que haja alguma exploração eventual, estamos diante de um esquema “normal” de recrutamento. Em geral os donos dessas academias têm agentes atuando na Europa, fazendo contatos com clubes e oferecendo-lhes os possíveis jogadores. Outros são eles mesmos co-dirigentes de algum clube em particular. Nem todos esses clubes estão entre os “grandes”. Muitos pertencem a divisões inferiores, a segunda ou a terceira. Mas não importa: tanto para o dono da academia, quanto para o jovem recrutado, o foco é “por o pé na Europa” – dentro de algum estádio, e por dentro das quatro linhas, é claro.

Mas nem sempre as coisas se passam assim. Se há “managers” profissionais nessa atividade, mesmo que nem sempre bem vistos pela Fifa e organizações humanitárias, há também escroques e inescrupulosos. Muitos se aproximam desses jovens, prometem-lhes mundos e fundos, cobram um “dinheiro adiantado” pela passagem e outras despesas, e providenciam papéis (muitas vezes falsificando a idade do candidato).

Depois, quando chegam na Europa, abandonam seu “protegido” à própria sorte, levando-lhes, inclusive, os passaportes. E assim esses jovens vão engrossar o cortejo dos “sem papéis” nas cidades européias, expostos a outras formas de exploração em trabalhos clandestinos ou à perseguição policial, processos judiciais e a deportação.

Os casos são tão numerosos e graves, que a Comissão de Direitos Humanos da ONU já considera o “tráfico de jovens africanos” para a Europa, por causa do futebol, um problema internacional. Mas isso não impede que milhares de jovens, em toda a África, continuem sonhando com os estádios europeus, e que encarem com certa naturalidade, o risco de que esse sonho possa tornar-se um pesadelo.

Foto original: rbairdpccam/Flickr

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