Futebol e economia: a dupla secação do Brasil

Na despedida da seleção rumo à África do Sul, a mão no bolso de Dunga. Se Brasil levar o caneco em 2010, Lula leva o Nobel, nem que seja o […]

Na despedida da seleção rumo à África do Sul, a mão no bolso de Dunga. Se Brasil levar o caneco em 2010, Lula leva o Nobel, nem que seja o da Sorte Grande (Foto: Ricardo Stuckert/Pr)

Existe uma dupla secação do Brasil em curso.

A primeira, mais fácil de identificar, está no futebol, enquanto rola a bola na Copa do Mundo. Plagiando e ampliando Drummond, ela tem planos municipal, estadual, federal e internacional.

No plano municipal, o mais mesquinho, estão aqueles de olho no fracasso do Dunga porque ambicionam o seu lugar, ou um lugar no plantel da Seleção, sentiram-se preteridos etc. Já no estadual, há um pouco da continuação da secação feita em cima do Felipão em 2002, um técnico oriundo desta improbabilidade futebolística chamada Rio Grande do Sul. Lembro-me de comentário – irônico no bom sentido – feita por grande comentarista esportivo de S. Paulo, segundo o qual, quando o Grêmio ganhara o Campeonato Brasileiro, a Argentina podia comemorar, pois um time seu era o vencedor…

Já no federal misturam-se duas coisas. Uma, mais propriamente futebolística, parte daquele eterno chororô de que os meninos do nosso futebol-arte não foram convocados, que futebol é alegria etc. É, mas também, a gente sabe, é gana de ganhar. E quem ganha é um time, não é um conjunto de estrelas, ou o brilho de uma só – como se queria afirmar tanto nas esperanças do quadrado mágico na Copa anterior, quanto na campanha orquestrada pela Globo para que Romário fosse convocado em 2002. O quadrado nada teve de mágico, só de quadrado mesmo. E em 2002, se Romário ficou de fora, o Brasil deu uma dentro.

A outra secação do plano federal é, de novo, aquela segundo a qual o presidente Lula já levou a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Só falta agora ele levar o caneco de 2010. Aí sim ele vai virar candidato ao Premio Nobel, nem que seja o da Sorte Grande, pensa essa mentalidade súcuba e incuba ao mesmo tempo.

Já no plano internacional a secação é contínua. Se o Brasil ganha apertado de uma seleção veloz, aplicada, com uma disciplina de Partido Comunista dos velhos tempos, que montou um muro defensivo de oito jogadores com dois de quebra como líberos na intermediária, ah, é porque o time não presta, não é brilhante, não é isso, não é aquilo.

É verdade que o nosso time só começou a ganhar no segundo tempo quando acordou para a arqui-verdade, muito mais velha do que o futebol, que só tem pouco mais de um século de idade, verdade que veio da arte militar, segundo a qual, quando o inimigo está fortemente entrincheirado no meio, deve-se atacar pelos flancos. Ou pelas pontas, com os pontas e laterais.

Ponta: essa realidade que o futebol pós-moderno esfarelou ou derreteu.

Mas no fundo, bem no fundo dessa secação internacional contra o nosso time jaz aquele sentimento eurocêntrico e hoje perplexo de: como? Se o futebol nasceu no continente de Homero ao tempo da Rainha Vitória, como ele deu-se melhor do outro lado do Atlântico, e em país de “crioulos”, em todos os sentidos da palavra “crioulo”?

Mas há a segunda secação, que se dá no plano político e econômico. Seu último round deu-se com as declarações do economista-chefe para a América Latina do Institute of International Finance, Frederick Jaspersen, sobre as futuras eleições brasileiras, feitas em Viena, alguns dias atrás.

O IFF é uma instituição fundada em 1983 por 38 grandes bancos de alcance mundial, com sede em Washington, em 1983, logo depois da grande crise da dívida internacional na América Latina. Seu presidente atual é Josef Ackermann, do Deutsche Bank, e o Vice, William Rhodes, do Citibank e do Citigroup.

Jaspersen previu que provavelmente Dilma Rouseff ganhará a eleição, e que isso seria danoso para o Brasil, pois sua vitória significaria mais gastos públicos, descontrole da inflação, alta de juros, política industrial centrada nas empresas estatais, agências regulatórias sujeitas à pressão política e mais algumas outras coisas abominadas pelos financistas dessas instituições. Financistas, diga-se de passagem, cuja atuação equilibrada e de bom senso nos levaram à maravilhosa situação financeira por que ora passa o planeta.

Ao contrário, a vitória do candidato José Serra significaria um endurecimento do controle fiscal, queda dos juros, desvalorização do real, menos ênfases nas estatais, mais no setor privado e uma política tributária para encorajar investimentos privados, leia-se, arrocho na desigual tributação direta ou indireta (por corte de subsídios e investimentos públicos) do consumo, que onera os mais pobres, e uma igualitária desoneração fiscal da renda individual ou corporativa para quem ganha muito.

Na reunião das instituições financeiras em Viena o economista do IFF levou uma dura resposta do presidente do BNDES brasileiro, Luciano Coutinho, segundo quem Dilma tem uma visão consistente sobre a sustentabilidade macro-econômica. Jaspersen recusou-se a treplicar.

Nisso não está apenas em jogo a eleição de outubro no Brasil. É que o Brasil saiu-se melhor da crise financeira instalada pelo comportamento desarrazoado das instituições financeiras exatamente por fazer tudo ao contrário do que os experts dessas finanças recomendam que deva ser feito, e que agora está em aplicação na zona do euro para “proteger a moeda” e também para proteger a honra das dívidas públicas para com o sistema financeiro europeu, norte-americano e um pouco também do japonês.

Ou seja, para salvar os bancos e poupar-lhes prejuízos, o que levaria, provavelmente, a uma revolta de acionistas físicos e jurídicos que, como nos velhos tempos do século XVIII, embora simbolicamente, exigiriam que cabeças rolassem nessas instituições.

Por essas e por outras razões, para esse pessoal “o Brasil não pode dar certo”. Como no futebol: mas e agora, que a tourada espanhola perdeu para o relógio suíço?