O Brasil, visto de longe e de perto

Por mais que a internet aproxime tudo, nada substitui o contato físico, a presença, o espelho. Chego ao Brasil para uma temporada, mistura de férias, visita familiar, obrigações a cumprir […]

Por mais que a internet aproxime tudo, nada substitui o contato físico, a presença, o espelho.

Chego ao Brasil para uma temporada, mistura de férias, visita familiar, obrigações a cumprir (ainda tenho orientandos na universidade).

Ao subir na aeronave para o longo voo transatlântico, não dá para disfarçar o friozinho na barriga: será que os sensores de gelo vão funcionar? (Lembrança da tragédia do voo da Air France).

Mas funcionam. Logo, em plena noite, através da janela “a imagem do Cruzeiro resplandece”. E aquece: viajo em direção à terra natal.

Na chegada, embora São Paulo não seja a floresta amazônica, nem mesmo a mata atlântica, o verde se impõe, penetra, invade, toma conta do olhar que vem do branco hibernal – agora mais sujo, empoeirado e de vez em quando barrento – de Berlim.

É preciso dizer que venho para o Brasil, também de um Brasil. A direita pode não gostar, a extrema esquerda pode chiar, mas o fato é que “lá fora” o Brasil é um sucesso. É a bola da vez, o país que mais cedo saiu da crise. E com menos estrago. É o país em que a miséria diminui a galope. A pobreza, essa diminui a trote, mas diminui. A classe média aumenta a passo, mas aumenta. Isso, no mundo de hoje, é um tremendo sucesso.

Tem um presidente popular, dentro e fora do país. Nem se fala. O presidente Lula se tornou um estadista mundial. Do ponto de vista simbólico, reúne numa pessoa a simpatia carsimática de Dom Pedro II, o carisma  interno e o sorriso internacionalmente conhecido de Vargas, a cordialidade de JK e a presença internacional de um Oswaldo Aranha. Gente de direita vê nele “um mascate que vende bem o Brasil” (ouvi isso em Hamburgo, quando Lula lá esteve, de um jornalista brasileiro que acompanhava a comitiva). Gente de esquerda vê nele um político que, ao contrário de outros, “não vende o Brasil”…

Além disso, o Brasil não é um país militarista, não tem conflitos maiores nem guerras em sua área de influência, tem uma pujança cultural muito diversificada e mundialmente reconhecida e potencia isso com a melhoria em sua situação social, apesar de abrigar (cito a imprensa internacional) graves problemas de segurança e um índice alto de casos de corrupção, embora as apurações hoje sejam mais abrangentes e rigorosas (nem sempre as punições…).

A tal ponto chegou o sucesso do Brasil lá fora que um jornalista do El País, da Espanha (comentarei isso mais tarde, a respeito da camapnha eleitoral), disse que independentemente de quem ganhar as eleições em outubro o vencedor será o presidente Lula, pois ele tornou certas coisas – inclusive a sua presença – irreversíveis.

Esclareço que não aprecio muito a palavra “irreversível”. Para a minha geração, “irreversível” era como a “revolução de 64” queria se caracterizar. Mas vá lá: compreendo a intenção do correspondente do El País, embora também não concorde muito com ela.

Vou dar o motivo, e com um exemplo.

Antes disso: minha primeira atividade no Brasil foi dirigir a reunião de empreendedores e empresários da comunicação e áreas afins que fundou a Altercom – uma associação para representá-los, já que não se sentem representados pelas tradicionais ANJ, Abert etc., que representam os grandes grupos e conglomerados, como Folha, Estadão, Abril, Globo etc.

Foi muito interessante, tanto o debate em torno da atual situação das comunicações do Brasil, depois da Confecom, como o debate em torno da fundação da entidade, seus propósitos e seu alcance ideal. A seguir, haverá uma proposta de estatuto e de carta de princípios, aberta à adesão.

Por outro lado, na segunda-feira o Instituto Millenium realizou seu debate em torno das comunicações e da liberdade de expressão. Lá estavam os cobras (e as serpentes…) daqueles grandes grupos e áreas afins. Lá não estive, confesso, pois tinha reunião com alunos na USP. Li a matéria de Bia Barbosa na Carta Maior e em outros jornais.

Que diferença! Tudo o que essas pessoas falam, também confesso, me soa anacrônico, velho, mofado, fora do tempo e do espaço, a não ser pela coligação de interesses mercadológicos que as congregam. São pessoas e ideias que ainda convivem dentro do mundo da guerra fria. Veem no PT ( e em Dilma Roussef, em especial) um partido stalinista, por exemplo. Desculpem-me. Pode-se fazer n e até n + 1 críticas ao PT, mas esta é inconcebível. É desconhecer a história, é querer tapar o sol, as nuvens, a chuva, tudo com a peneira.

Isso me remete á idéia que confirmo, agora ao ver o Brasil, suas qualidades, problemas, sucessos, carências, mais de perto, mais uma vez. As pessoas, os grupos conservadores não gostam do sucesso do Brasil. Precisam que ele permaneça preso a um imaginário de pequenez, de mesquinhez, de carência, de insucesso permanente, para justificar seus preconceitos, seus sentimentos de que elas, ELAS, essas pessoas, e eles, ELES, esses grupos, são os legítimos, únicos e perpétuos defensores de valores “civilizatórios”, da luz, da verdade, da liberdade, e de tudo o que é bom. E precisam dessa “ruindade” do Brasil para mostar que só eles e elas são sérios e que o que é bom para eles e elas é bom para o mundo. Ao resto, as migalhas.

Decididamente, os sensores de temperatura do voo dessas pessoas e grupos não estão funcionando, e elas, ainda que poderosas, vão continuar se afundando no mundo congelado em que optaram por viver.

E viva o Brasil, país dinâmico, enigmático, problemático e também, sobretudo de uns tempos para cá, também solucionático!