Velhos e novos preconceitos

Panfleto do NPD, partido de extrema-direita que chegou a enviar cartas, sem base legal, de deportação a políticos com ascendência estrangeira (Foto: Eayz/Flickr) Na semana passada fui a Nice, na […]

Panfleto do NPD, partido de extrema-direita que chegou a enviar cartas, sem base legal, de deportação a políticos com ascendência estrangeira (Foto: Eayz/Flickr)

Na semana passada fui a Nice, na França, entre outras coisas para escrever uma reportagem sobre a cidade, terra natal de Giuseppe Garibaldi, para a Revista do Brasil. A viagem foi maravilhosa. mas ao relatá-la para uma amiga pela internet, ela contou-me que vinte anos atrás, ela tivera uma experiência complicada na cidade.

Numa praça, um grupo de punks foi assediado por um grupo de turistas japoneses que, com suas câmaras fotográficas em riste, começaram a tirar fotos de todo mundo. A resposta dos punks foi partir para cima dos turistas, com socos, pontapés e voadoras, com aquelas botas enormes e às vezes de biqueira niquelada, como muitos usam. Daí partiram para agredir quem estivesse na praça. Minha amiga refugiou-se num café para escapar da pancadaria, a polícia foi chamada, e “a ordem restabelecida”.

A narração do episódio lembrou-me de outro ocorrido comigo e minha esposa quando nos dirigíamos ao aeroporto para a viagem à Nice. Estávamos no metrô quando três jovens bem jovens entraram no vagão. Não eram punks. Ao contrário do que muita gente pensa, em geral os punks alemães são inofensivos, não são nada agressivos. Muita gente os confunde, por causa da preferência por roupas pretas, botas enormes, cabelos cortados de modo exótico, com partidários de extrema-direita, conhecidos por seu racismo e seu ódio/desprezo por “estrangeiros”.

Aqueles jovens que entraram no metrô são de um “tipo” mais “convencional”: cortam o cabelo à escovinha ou no estilo que chamávamos de “cadete”, andam em grupos de três ou quatro, agem e se sentam de modo displicente, e dão a impressão de serem capazes de qualquer coisa. É claro que isso não significa que todos possam se tornar agressivos, mas confesso que estar fechado num vagão de metrô com um grupo de tais jovens é das poucas situações que me dá medo aqui em Berlim.

Dito e feito: os três se sentaram perto de nós, ouvindo uma música em tom bem alto, e olhando de modo meio provocador. Ao saírem, um deles cuspiu no chão e ficou olhando na direção de minha esposa, encarando. (Só faltou passar o pé em cima do cuspe, como fazíamos na infância, mas aí a provocação seria direta para mim…). Seguimos o bom senso: olhamos para cima, para os lados, aparentando nada ter percebido, e os três se foram. Mas ficou a impressão de que se fizéssemos um gesto, uma reclamação, um comentário, qualquer coisa poderia acontecer.

Uma situação dessas está longe de ser a regra em Berlim ou mesmo em toda a Europa. Mas, infelizmente, não é incomum, nem uma raridade. E vem sendo estimulada por políticas agressivas de extrema-direita, que contam com esta época de crise financeira e desemprego em alta para implementar sua busca de popularidade – particularmente entre os jovens, que se sentem atraídos pela mensagem aparentemente “contestadora da ordem” que essa pregação sugere.

No próximo domingo (27) há eleições gerais na Alemanha. Todos os partidos, para terem acesso ao parlamento nacional (e a fundos públicos de financiamento), têm de obter pelo menos 5% dos votos. Um partido de extrema-direita, o NPD (Nationaldemokratische Partei Deutschlands – Partido Nacional-Democrático da Alemanha), que arrisca não obter o quociente necessário, lançou uma campanha contra todos os políticos com antecedentes ou origem no estrangeiro. Chegou ao ponto de enviar uma carta (sem fundo legal) a vários desses políticos, de diferentes partidos, com uma suposta “ordem de deportação” e aconselhando-os a buscar emprego em suas terras de origem.

Já antes eu vira uma propaganda de um candidato desse partido, em pequenas cidades do leste alemão (onde o desemprego é maior), com a mensagem: “expulsão para todos os criminosos estrangeiros”. Só que o “criminosos” estava escrito bem pequenininho, de modo que a mensagem ficava, na verdade, “expulsão para todos os estrangeiros”, vindo a seguir o lema “emprego para os alemães”.

Dificilmente um partido desses chegará ao poder na Alemanha, ou será aceito em alguma coalizão, mesmo conservadora (mas esse não é o caso, por exemplo, da Hungria, onde eles têm chance de vencer). Porém a própria campanha – populista da pior espécie – pode incitar à violência e despertar aquele senso de impunidade que atrai sobretudo os jovens. O caso, aqui relatado neste blog, do assassinato de uma jovem egípcia por um fanático racista dentro de um tribunal é expressivo e exemplar, mostrando que não se pode facilitar nem permanecer sem ação – política, naturalmente – diante de tais propostas de agressão. 

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