O último veterano

Harry Patch, veterano da Primeira Guerra Mundial, morreu em 25 de julho. Apesar das atrocidades cometidas, conflito é menos estudado do que Segunda Guerra

Harry Patch, na foto com 109 anos, era o último veterano da Primeira Guerra (Foto: Jim Ross/Wikipedia)

Neste 6 de agosto – dia em que a primeira bomba atômica foi jogada pelos EUA sobre Hiroshima, no Japão, em 1945 – foi enterrado na Grã-Bretanha o último veterano da Primeira Guerra Mundial, o ex-soldado Harry Patch.

Patch morreu no dia 25 de julho, aos 111 anos de idade. Era uma das três pessoas mais velhas do mundo, e o mais velho da Europa. Seu funeral foi acompanhado por autoridades britânicas, mas também de outros países, inclusive da Alemanha, ex-adversária naquela e em outras guerras.

Seguindo as idéias do próprio Patch, que tornara-se pacifista, a cerimônia foi marcada por uma série de atos e gestos pela paz. Um dos pontos altos foi a canção “Where have all the flowers gone”, dos norte-americanos Pete Seeger e Joe Hickerson, de 1961, composta no auge da Guerra Fria e no começo da escalada do envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnã.

Essa canção – uma típica protest song dos anos 60 – tornou-se mundialmente conhecida depois das interpretações de Joan Baez, Peter, Paul and Mary, , Marlene Dietrich (em francês e alemão), entre outras, e chegou a ser considerada como uma “canção folclórica”, de “autor desconhecido”.

A Primeira Guerra Mundial padece de um certo desconhecimento por parte do grande público, ofuscada que foi pela Segunda e por outras, mais pródigas em material fotográfico, cinematográfico, televisivo e até mesmo literário. Ela talvez tenha até provocado mudanças em todos os campos – cultura, política, economia, costumes, vida social – mais dramáticas do que qualquer outro conflito, pelo menos do século XX. Inclusive se comparada à Segunda Guerra.

Devido aos impérios coloniais existentes, ela foi de fato a primeira guerra global, envolvendo os cinco continentes, com combates na África, na Ásia, na Oceania, em todos os oceanos e, pela primeira vez, no ar.

Tecnologicamente, a guerra foi chocante, e horripilante. Foi introduzido ou disseminado o uso de arame farpado (que dificultava os avanços), metralhadoras, novas versões mais avançadas de artilharia, carros de combate, aviões, submarinos, porta-aviões, do telefone, do telégrafo sem fio e – uma das piores armas de então e até hoje – o uso do gás, sobretudo o de nome “mostarda”, que provoca a morte por asfixia.

Com sua guerra de trincheiras e táticas do século XIX diante dos novos armamentos, como os avanços em campo aberto, ela levou a carnificinas horrorosas. Os números foram impressionantes. Houve mais de 70 milhões de pessoas envolvidas diretamente na guerra, que deixou 15 milhões de mortos em menos de quatro anos. Num único dia e numa única batalha – e praticamente na primeira hora dela – morreram 20 mil homens do exército britânico.

Durante a guerra houve extermínios de populações civis, como a de 250 mil armênios no Império Otomano (hoje Turquia). Entretanto, uma das observações comuns que também se faz, é a de que a 1a. Guerra horrorizou tanto porque pela primeira vez as potências européias, com armamentos tão poderosos, submeteram suas populações e seus exércitos a práticas que já usavam em suas colônias distantes, contra os povos nativos.

Politicamente as mudanças foram espetaculares. Finda a guerra, tinham deixado de existir os impérios Alemão, Austro-húngaro, Otomano e Russo. Uma colcha de retalhos de novos países emergiu do conflito; no lugar do Império Otomano surgiu a Turquia e no do Russo, a União Soviética e o comunismo.

Toda uma classe e um estilo de vida submergiram de vez. O mundo da aristocracia afundou, e com ele todo o otimismo da chamada “Belle Époque”. Pacifistas, escritores, poetas, pintores, escultores, fugindo da guerra, na neutralidade da Suíça, criaram vários movimentos de vanguarda internacionais. A experimentação tornou-se regra no mundo das artes. Também dos escombros da Primeira Guerra nasceriam os movimentos nazista e fascista, levando diretamente à Segunda, às perseguições contra os judeus, ciganos, homossexuais, e muito mais.

Tudo isso certamente levou Harry Patch a dizer que uma guerra é um “assassinato organizado”.

Dois livros interessantíssimos sobre ou a partir de lados diferentes do conflito, mas com igual interesse pacifista são “Mrs. Dalloway”, da escritora inglesa Virginia Woolf, com tradução de Mário Quintana (Nova Fronteira), e “Nada de novo no front”, do alemão Erich Maria Remarque (que seria proibido pelos nazistas), com tradução de Helen Rumjanek (L&PM).