Eleições 2018

Haddad, Ciro, Bolsonaro: algumas comparações históricas

Cada país tem seu estilo próprio de direita e Bolsonaro reúne o que por tradição o Brasil tem de pior. Nesse quadro, não cabe à esquerda alçar como inimigo Haddad ou Ciro, pede-se resistência

Marcelo Camargo/Walter Campanato/Ricardo Stuckert

Tenho lido uma lista de comparações destinadas a rotular Bolsonaro: Trump, Marine Le Pen, Hitler… A melhor comparação internacional que li foi com Rodrigo Duterte, o ditatorial presidente filipino que louva esquadrões da morte e não hesita diante de ilegalidades para destruir fisicamente os que considera inimigos do (seu) Estado.

Mas a mais pertinente, para mim, é a comparação de Bolsonaro com ele mesmo. A ascensão das direitas é mundial. Cada contexto nacional tem as suas próprias direitas, com seus estilos próprios. E as direitas brasileiras, com o golpe de 2016, mais a caçada a Lula e ao PT, abriram as comportas para Bolsonaro, que reúne em sua campanha aquilo que a tradição brasileira tem de pior: violência, ódio contra os direitos humanos e amor aos privilégios de classe, desprezo pelos pobres, fobias de todo tipo, medo da democracia, louvação do autoritarismo, e por aí vai.

Ainda assim, há comparações históricas pertinentes no quadro assustador que estamos descortinando nestas eleições.

Lembro uma passagem famosa do filme “Cabaret”, dirigido por Bob Fosse, baseado em musical homônimo da Broadway, este, por sua vez, adaptado de um romance e de uma peça de teatro. Nela dois amigos, o britânico Brian Roberts e o aristocrata alemão Maximilian von Heune, vão a um “Biergarten” bávaro perto da propriedade deste, no campo. Ali assistem um jovem cantar o “Lied” “Tomorrow belongs to me”, “O Amanhã pertence a mim”.

Lentamente a câmera se afasta, e deixa ver a braçadeira nazista em seu braço. A música se intensifica, vários assistentes começam a cantar junto, alguns também com a braçadeira nazi. O que era uma evocação romântica de uma cena bucólica transforma-se num canto agressivo e belicoso. Os dois amigos vão embora, e Brian pergunta a Maximilian: “Você ainda acha que é possível controlá-los?”.

O comentário é uma alusão à ideia de muitos aristocratas e burgueses alemães, durante a República de Weimar, de que Hitler e os nazistas seriam uma mal necessário, mas breve e passageiro, para neutralizar os comunistas e social-democratas. 

O filme, de 1972, fez grande sucesso no Brasil. Lembra ilusão semelhante de muitos liberais e pseudo-liberais de que o golpe dado pelos militares, em 1964, também seria algo breve e passageiro, necessário para neutralizar os comunistas e trabalhistas que encarnavam o “perigo vermelho” e a “corrupção”.

Hoje estamos vendo algo parecido. Os golpistas de 2016, encastelados no Judiciário, na PF, na mídia tradicional, ao redor do Palácio do Planalto, e ao redor de outros palácios de privilegiados, estão desconsiderando o perigo suicida encarnado pela candidatura de Bolsonaro/Mourão para dar continuidade ao seu golpe, impedindo a qualquer preço o PT de voltar à presidência.

Este é o motivo de fundo das últimas iniciativas judiciais, como a proibição da entrevista de Lula (dá vontade para dizer à Folha de S.Paulo, que protestou diante da censura: “cuspiste para cima, agora aguenta”), a divulgação mais uma vez ilegal da denúncia sem provas de Palocci e da virulenta e permanente ofensiva da Globo contra Haddad e o PT, que vai se estender até o dia 7 e depois, se houver segundo turno e irá ao terceiro turno, se o petista ganhar. Outras iniciativas deste tipo certamente virão à tona.

O que mostra que, além das esquerdas, muitas vezes as direitas também não aprendem com o passado.

Mas é verdade que as esquerdas, muitas vezes, também não aprendem. Vejo com preocupação ataques altissonantes que se sucedem, por parte de militantes da candidatura de Haddad, contra Ciro Gomes, como se ele fosse o inimigo.

Lembro uma outra comparação histórica, muito instrutiva. Sugiro que, mesmo depois das eleições, quem venha a Berlim e ainda não visitou o Memorial da Resistência Alemã (Gedenkstätte Deutscher Widerstand), na Stauffenbergstrasse 13 -14 (onde ficava o antigo QG do Exército Alemão em Berlim), a fazê-lo.

Ali se constata que a resistência alemã ao nazismo foi muito maior do que se pensa ainda hoje. Mas padecia do mal de sempre: os comunistas e social-democratas não se falavam, e não falavam com os liberais, que não falavam com os aristocratas e militares, que não falavam com ninguém. Resultado: deu no que deu.

Temos de aprender: ou a resistência aos golpistas e fascistas será conscientemente pluripartidária, ou nos enterraremos no buraco mais uma vez.