Literatura

Marx, o homem, o mito, o revolucionário, foi também poeta, romântico, apaixonado

Flávio Aguiar acaba de verter para o português versos escritos por Karl Marx em sua juventude

O Jovem Karl Marx/Cena

Cena de ‘O Jovem Karl Marx’ (2017), longa biográfico que traz um pouco da personalidade do pensador

“Os poemas de Marx são de um lirismo exaltado, idealista, mas eles têm, a gente vê neles um desejo de liberdade erótica muito grande”, diz o estudioso de literatura Flávio Aguiar em entrevista ao canal digital Tutaméia neste cinco de maio de 2018, quando se completam duzentos anos do nascimento do autor de O Capital.

Com uma vida inteira dedicada ao estudo da teoria literária, o professor, jornalista, documentarista e multipremiado escritor gaúcho acaba de verter para o português versos escritos por Marx em sua juventude –os textos saem na revista Margem Esquerda, da editora Boitempo, e no Tutaméia, com a devida autorização dos envolvidos.

Descobriu o que considera “um novo Marx”, que esteve ao longo dos anos escondido, relegado ao segundo plano. A obra poética e literária de Marx, que escreveu também pelo menos um romance e uma peça de teatro, mostram, no dizer de Aguiar, “um lado muito pouco conhecido da obra dele, tanto que as poesias só se tornaram conhecidas a partir da década de 1930, no século 20. Ficaram numa espécie de limbo”.

A maior parte da produção poética de Marx acontece na sua juventude, quando tem em torno de vinte anos. E dão pistas para compreender sua obra futura, na opinião de Flávio Aguiar: “Penso que o Marx literato pode nos ajudar a entender o Marx analista, o Marx político, o Marx revolucionário”.

Mesmo nos textos teóricos, diz Flávio Aguiar, Marx “nunca abandonou a inspiração literária. Era um estilista, escrevia com ardor, com estilo. Ele é muito veemente no que ele escreve”.

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E continua: “Penso que Marx é um escritor onde se nota uma forte ressonância bíblica. O Marx analista, o Marx escritor do período adulto, o jornalista, o polemista, o autor de livros, ele carrega consigo cinco grandes fontes de inspiração. Três delas, na minha visão, são bíblicas, e duas delas vêm da tradição clássica, dentro do clima romântico”.

Com a ajuda do professor gaúcho, que hoje mora em Berlim –de onde nos concedeu entrevista via internet–, mergulhemos nos caminhos da poesia de Marx.

Fizemos isso devidamente paramentados, Flávio com a camiseta de seu time do coração, o Internacional de Porto Alegre, e Rodolfo vestindo o manto tricolor do Grêmio. Criou-se, na entrevista, um GRENAL marxista, sui-generis, em que todos atacam na mesma direção.

Leia e assista à reportagem completa aqui no Tutaméia.

 

“O CANTO REBELDE DA NOIVA”

Tomaram-me o céu clemente

E assim me vi assaltada,

Minh’alma, que em Deus fora crente,

Descobriu-se no Inferno enterrada.

 

E eu devo em grilhões me quedar

Atada ao homem malsão.

Um bom Deus não virá me salvar

Do mergulho na escravidão.

(…)

Orgulhosos, os montes reclinam

E o céu com seu ouro se ri;

Pois de olhar os homens declinam

Em seu brilho vaidoso de si.

 

O tempo segue brotando suas flores

Pois nada de mais se passou;

A morte engolfou com ardores

O coração que p’ra sempre calou.