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‘Folha’ esconde favorecidos por Aécio com aviões pagos pelo governo de Minas

Trocas de vantagens nada republicanas e de inegável interesse público com políticos, jornalistas e juízes explicam muito da camaradagem da mídia pelo tucano, mas têm tratamento rasteiro do jornalão

wikimedia / agência ebc

Para jornalão, só celebridades mereceram destaque entre beneficiados por aviões pagos com dinheiro de Minas

Quando era governador, Aécio Neves colocou aeronaves oficiais do estado de Minas para fazer com o dinheiro público o serviço que empresas de táxi aéreo deveriam fazer, transportando celebridades, empresários e cartolas de futebol para voos de natureza privada. Não era carona, com autoridades mineiras viajando junto. Eram voos alocados exclusivamente para atender o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) Ricardo Teixeira, o apresentador Luciano Huck e a dupla Sandy e Júnior, o ex-executivo da Rede Globo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o falecido editor da revista Veja, Roberto Civita, os atores José Wilker, falecido, e Milton Gonçalves.

A denúncia – incompleta – é do jornal Folha de S. Paulo, que a partir de documentos obtidos pela Lei de Acesso à Informação publicou uma relação de voos solicitados pelo governador entre 2003 e 2010.

Porém, o jornalão seguiu o mesmo padrão que adotou quando do escândalo do Suiçalão, ou seja, omitiu nomes de envolvidos. No caso das contas clandestinas na Suíça de que trataram aquele escândalo, o jornal passou semanas sem tocar no nome de Octávio Frias de Freitas – justamente o todo-poderoso da Folha – que é titular de conta no HSBC suíço.

Agora, no escândalo (sim, é um novo escândalo) dos voos do tucano mineiro, só publicou meia dúzia de nomes. E isso apesar de terem sido 1.423 vôos, sendo 198 deles sem a presença nem do governador nem de outra autoridade de Minas Gerais que pudesse caracterizar viagem oficial.

A Folha se limita a relatar que Aécio proporcionou vôos para vários políticos – com ou sem mandato – mas estranhamente não cita nenhum beneficiado, apesar do evidente interesse público. Isso permite nos darmos asas à imaginação. Seria FHC? Eduardo Cunha? Também fala de autoridades federais dos três poderes sem citar nenhum nome. Seria o ex-diretor de Furnas Dimas Toledo? A Folha não diz.

Também não cita nomes de autoridades do poder Judiciário que viajaram às custas do governo de Minas durante o governo Aécio e nos 60 vôos cedidos pelo seu sucessor Antônio Anastasia, igualmente do PSDB. A reportagem fala em magistrados estaduais e ministros do STF, mas esconde nomes e destinos.

Sobre o atual governo petista de Fernando Pimentel, a Folha encontrou um único voo cedido e, diferentemente do tratamento dado aos dois tucanos, não blindou o nome do beneficiado: foi o presidente do STF, Ricardo Lewandovsky, de Belo Horizonte para São Paulo. A assessoria de Pimentel afirmou que Lewandovsky cumpriu agenda oficial promovida pelo governo de Minas, no dia em que recebeu o Colar do Mérito Judiciário Militar.

Aécio cedeu aviões também para comitivas de jornalistas. Mesmo sem citar nomes, o jornal confessa: “A Folha esteve em um destes voos para acompanhar uma agenda de Aécio em Lavras”. Teria sido mais honesto se explicasse que agenda foi esta, em que data e as razões para aceitar ter suas despesas para material de interesse jornalístico pagas com dinheiro público.

A Folha também “não teve a curiosidade” de cruzar os nomes dos passageiros com os familiares de Aécio, já que denúncias de favorecimentos e de mimos para parentes durante o período em que Aécio governou Minas são abundantes. Também nada publicou, se teve ou não, vôos para o já famoso aeroporto de Cláudio, construído pelo seu governo numa fazenda de um tio.

Caldeirão da Globo

Aécio também cedeu helicóptero para o apresentador da TV Globo Luciano Huck gravar um quadro do programa Caldeirão do Huck. A emissora afirmou que o uso do helicóptero oficial foi parte de um acordo de “facilidade de produção”. Porém trata-se de despesa de uma atividade empresarial, privada e com fins lucrativos paga pelo povo de Minas.

Parece que ambos os lados têm dificuldades em separar o público do privado quando se trata de levar vantagem às custas do dinheiro do povo.

Museu privado

Em 2010, pouco antes de deixar o governo de Minas, Aécio cedeu um helicóptero para o falecido dono da revista Veja, Roberto Civita, e sua mulher, visitarem o museu de Inhotim, na cidade de Brumadinho, no interior mineiro.

O museu é propriedade privada controlada pelo empresário Bernardo Paz, irmão do publicitário Cristiano Paz, condenado no mensalão. Desde 2009 conta com o patrocínio da Cemig, por meio da Lei de Incentivo Cultural.

Na época, Bernardo Paz já era devedor do fisco mineiro e réu por um esquema de sonegação de impostos em duas siderúrgicas suas. Segundo o Ministério Público Estadual, o esquema envolvia empresas fantasmas, laranjas e uso de notas falsas para pagar menos ICMS.

Agora em 2015, após a saída do governo tucano e a intensificação da força-tarefa para cobrar impostos em débito, Bernardo Paz reconheceu uma dívida tributária de cerca de R$ 120 milhões com o Estado e fez acordo para pagá-la. O fato reforça a inconveniência de ceder um helicóptero oficial para aquela visita.

Apesar de o museu a céu aberto ter seu valor artístico reconhecido, tanto pela coleção de arte contemporânea, como pelo projeto paisagístico da edificação, a origem dos recursos que o financiaram é controversa.

Bernardo Paz fez fortuna com mineração de ferro. Em 2009, o jornal O Estado de S. Paulo descreveu uma versão de Paz para a origem do museu. Um alemão amigo dele teria assumido a gestão de uma mina sua que “não valia nada”. Conseguiu valorizá-la e muito.

Venderam por US$ 480 milhões na Alemanha. Paz teria que pagar cerca de US$ 100 milhões de impostos para repatriar o dinheiro. Em vez disso, criou a empresa Horizontes Ltda, cujos donos são a offshore Vine Hill Financial, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.

Outra empresa, no paraíso fiscal de Cayman, a Flamingo Investment Fund, emprestou US$ 126,4 milhões à Horizontes. Com esse empréstimo, a Horizontes comprou áreas em Brumadinho, fez obras, paisagismo e adquiriu obras de arte. Segundo o Estadão, Paz admitiu que o dinheiro dos paraísos fiscais veio da venda da mina no Brasil feita na Alemanha.

Em entrevista à revista Trip, Paz contou uma versão mais palatável ao Leão da Receita Federal e às autoridades. Disse que doou a mina aos alemães e, em retribuição, os alemães colocaram dinheiro no Inhotim.

Antes da visita de Roberto Civita, seu sobrinho e xará, conhecido em seu círculo como Bobby Civita, foi art planning do Instituto Inhotim, o que torna a visita do casal do ex-chefão da Veja de caráter mais pessoal ainda, desaconselhando o uso de aeronaves oficiais.

Estas trocas de vantagens nada republicanas de Aécio com os “barões da mídia” ajudam a explicar a camaradagem com que os tucanos são tratados pelos veículos de imprensa dos grupos Globo e Abril, mesmo diante dos mais escabrosos escândalos de corrupção em seus governos.