Poder econômico

Delator da Lava Jato e pesquisa detonam Cunha e PEC da corrupção

Depoimento do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, e conduta da maioria parlamentar conduzida pelo presidente da Câmara desnudam o papel destruidor do financiamento empresarial para a democracia

Reprodução e Agência Brasil

Empresário, ao depor na Lava Jato, afirma que empresas doam a partidos para que sejam “ouvidas”

Se os deputados que votaram pela redução da maioridade penal levam mesmo a sério que o argumento de que o fizeram porque a população apoia, então se preparem para rever seus conceitos em outro tema espinhoso. Segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha nesta segunda-feira (6) três de cada quatro brasileiros são contra o financiamento de campanha por empresas privadas – e, como sabe, os que votam pela redução da maioridade e pelo dinheiro empresarial são praticamente os mesmos.

De acordo com a pesquisa, 74% dos brasileiros são contra o financiamento de campanha por empresas privadas. Outros 16% são a favor e 10% não sabem. Segundo o mesmo levantamento, 79% dos entrevistados acreditam que as doações de empresas estimulam a corrupção. Não foi à toa que os movimentos sociais que batalham por uma reforma política decente e democrática apelidaram esse remendo conduzido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de PEC da Corrupção.

Quanto maior a escolaridade, maior a defesa do fim desse tipo de financiamento: 80% entre os que têm curso superior, 77% no grupo com ensino médio, e 68% entre aqueles apenas com o fundamental. Em relação à renda familiar, o grupo que mais se opõe ao financiamento empresarial é aquele que recebe entre cinco e dez salários mínimos: 82%. Os homens (78%) querem mais o fim do financiamento empresarial que as mulheres (70%).

Enquanto 79% dos entrevistados acreditam que o financiamento empresarial estimula a corrupção, 12% acham que não há relação entre as duas coisas. Para 3%, ocorre exatamente o oposto: esse tipo de financiamento combate a corrupção. Outros 6% não souberam responder essa pergunta.

A pesquisa perguntou também sobre  quais são os partidos preferido dos brasileiros. O PT teve 7%, seguido de PSDB e PMDB com 5% cada. Outros cinco partidos foram apontados como o preferido de 1% dos brasileiros: PDT, Psol, PV, DEM e PTB. A maioria, 75%, diz não ter uma legenda favorita.

Em maio, um dia depois de a Câmara rejeitar o financiamento empresarial durante a votação da reforma política, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recolocou o tema em discussão e aprovou o financiamento empresarial de partidos. O texto segue em tramitação no Congresso. No Supremo Tribunal Federal (STF), já há maioria para considerar inconstitucional esse tipo de financiamento, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, desde abril do ano passado. Caso o Congresso emende a constituição para permitir as doações de empresas, o julgamento do STF pode vir a perder sentido.

Curioso é a pesquisa não ter sido publicada antes da votação na Câmara, porque trecho vazado do acordo de delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, investigado na operação Lava Jato, deixa mal os deputados que votaram na Câmara pela aprovação do financiamento de campanhas eleitorais por empresas, comandados pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O documento da delação premiada de Ricardo Pessoa está sob sigilo de Justiça. O Jornal Nacional da TV Globo disse que teve acesso ao documento vazado clandestinamente e veiculou trechos na sexta-feira (3). Foi preciso analisar o vídeo quadro a quadro para obtermos esse trecho mostrado muito rapidamente no telejornal. A edição nada mencionou e nada exibiu ao telespectador sobre os temas de interesse do empresário delator para financiar campanhas, como a terceirização – como se sabe, a maioria dos deputados que votaram pelo dinheiro privado em campanhas também votou pelo projeto da terceirização.

E o jornalismo das Organizações Globo já defendeu em editoriais a terceirização ilimitada, assim como o financiamento empresarial. Deixou escondida do espectador uma informação de alto interesse da massa trabalhadora, mas que vai contra os interesses econômicos dos donos da emissora. E como se vê nas pesquisas, nem mesmo o tipo de jornalismo manipulador que induz as pessoas a defender a redução da maioridade conseguiu reduzir a contrariedade da opinião pública à participação de empresar em custeio de campanhas.

E segundo o documento de delação de Pessoa fica claro que o financiamento empresarial, entre outras coisas, visa abrir portas no Congresso Nacional para discutir temas do interesse do empresário, tais como a recente terceirização ilimitada. “(…) Tanto dinheiro doado de forma pulverizada a diversos partidos e políticos tinha uma intenção, fazer com que a engrenagem andasse perfeitamente, tirando, portanto, todas as pedras que pudessem aparecer no caminho, abertura de portas no Congresso, na Câmara e em todos os órgãos públicos; possibilidade de discutir temas de interesse, como lei de licitações, desoneração de folha, terceirização etc.; evitar convocação para CPI, afastar entraves e dificuldades, discutir temas relevantes para a empresa…”

Este trecho deixa nu o caráter lobista do financiamento empresarial de campanha, acabando com qualquer ilusão de quem não queria enxergar o óbvio. Aliás deixa mal também o ministro do STF, Gilmar Mendes, que fez a manobra jurídica de segurar o julgamento da ação de inconstitucionalidade movido pela OAB, segundo a qual a Constituição determina que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” – e, portanto, esse preceito constitucional é violado quando o poder econômico das empresas desequilibra as disputas e os resultados das eleições.

Exercer lobby não é crime. Funciona como uma forma de fazer pressão política para alcançar objetivos. Toda a sociedade civil organizada faz pressão política, cada grupo com suas pautas reivindicatórias, é legítimo. O que desequilibra a luta política e a democracia é financiamento de campanha fazer parte dessas pressões. Quem banca o financiamento de campanhas tem seus interesses mais bem “representados” e atendidos pelos políticos eleitos do que quem não tem.

Daí que projetos nocivos ao eleitorado composto por milhões de trabalhadores, como a terceirização ilimitada, serem votados a toque de caixa e aprovados, mesmo que signifique uma punhalada nas costas da massa trabalhadora. Então, o financiamento eleitoral por empresas ser totalmente legalizado é um grande problema para a democracia.

Não há nenhum crime previsto no Código Penal no relato feito por Ricardo Pessoa. Entretanto, em vez de o poder emanar do povo, como manda a Constituição Federal, o poder político emana do dinheiro dos grandes empresário.

Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu, criou no início de seu governo, em 2003, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o “Conselhão”, para que os diversos setores da sociedade, empresários e trabalhadores, de forma institucional, republicana e com transparência, sem depender de financiamento de campanhas, fossem ouvidos. A grande iniciativa trazia à luz do dia interesses e reivindicações, afastando o conceito de “amigos do rei”. Mas isto ocorreu apenas no Executivo.

O Legislativo, em vez de caminhar na mesma direção, buscando independência do poder econômico, se desvinculando do financiamento empresarial, faz o contrário, e como nunca com a ascensão de Eduardo Cunha à presidência da Câmara.

O retrocesso na transparência do Legislativo é tão visível que o único senador que tinha portas e paredes de vidro em seu gabinete no Senado para qualquer um ver quem frequentava, não se reelegeu: Eduardo Suplicy (PT-SP). Não por acaso, seu adversário eleito, José Serra (PSDB-SP) teve mais do que o dobro de recursos para sua campanha. Foram R$ 10,7 milhões para Serra, contra R$ 4,3 milhões para Suplicy.

Ricardo Pessoa e outros empresários financiaram boa parte do Parlamento e conseguiram de Cunha e seus seguidores a votação da terceirização ilimitada na Câmara. Pessoa disse que financiou campanhas para ser ouvido. Algumas empresas escreveram emendas apresentadas por deputados “amigos” durante a discussão do ajuste fiscal, conforme matéria da RBA.

Note que nem chegamos a abordar corrupção propriamente dita no sentido criminal. Tudo isso até aqui pode ser visto como lobismo legal enquanto o financiamento de campanhas eleitorais por empresas não for proibido.

A influência do poder econômico, mesmo dentro da lei, corrompe a democracia e os poderes, sobretudo o Legislativo, cujo voto é mais disperso. Interesses privados de grandes financiadores de campanha se sobrepõem ao interesse público em muitas situações – vide a PEC da Corrupção.

Quando um parlamentar vota leis do interesse de financiadores por convicção? E quando seria uma espécie de suborno disfarçado? Mas perante a lei os parlamentares sempre têm o benefício da dúvida. A desconfiança do cidadão eleitor só pode acabar com o fim do financiamento empresarial.