Marcio Pochmann

O Estado de bem-estar social contra a pobreza: batalha perdida?

Se a batalha contra a pobreza nos Estados Unidos foi perdida pela adesão do país à dependência dos mercados, o Brasil de hoje não tem motivos para revisar a continuidade do seu caminho próprio

Divulgação / Polícia Federal de SP

Tráfico das armas, por exemplo, revela como a exploração da pobreza serve aos interesses dos enriquecidos no mundo

Nos dias de hoje, o mundo se surpreende com o avanço da riqueza gerada cada vez mais pela presença de novas tecnologias, capaz de registrar, por exemplo, situações distantes de todos, como o buraco negro no universo. Mesmo assim, situações tão antigas à humanidade, como a pobreza, seguem sendo produzidas e reproduzidas sob novas formas.

A mundialização da pobreza representa parte distinta e obscura das informações difundidas por instituições com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional sobre a opulência da globalização do dinheiro, do comércio e das grandes empresas. O tráfico humano, das drogas, das armas, por exemplo, revela como a exploração da pobreza serve aos interesses dos enriquecidos no mundo.

Há mais de 50 anos, dois estudos sobre os Estados Unidos contribuíram para que o país iniciasse uma verdadeira guerra interna contra a pobreza. Os livros: A Sociedade Afluente, de John Kenneth Galbraith (1958), e A Outra América, de Michael Harrington (1962), foram capazes de apontar destinos diferentes aos mais de 35 milhões de estadunidenses submetidos à condição de pobreza em plena década de 1960, o que equivalia a 19% de toda a população.

Ademais da definição oficial do que seria pobreza, o governo de Lyndon Johnson (1963-1968) inovou o conjunto das políticas públicas com programas de abrangência nacional estabelecidos para a assistência à saúde (Medicare e Medicaid) e o direito a cidades (model cities), especialmente à população de baixa renda. Dessa forma, a maior potência econômica capitalista criava condições, por meio da intervenção do Estado, para aliar melhor a elevação da riqueza com o bem-estar de toda a população, não apenas dos ricos.

A mesma eficácia do Estado para conduzir pesquisas como a produção da bomba atômica passaria a se voltada também para a guerra contra a pobreza. Os resultados se apresentaram inequívocos, com a redução generalizada da pobreza e a elevação simultânea do bem-estar da população nos Estados Unidos.

A maneira do crescimento econômico com maior bem-estar social se tornou uma referência a ser seguida por diferentes países a partir de então. Meio século depois, contudo, os Estados Unidos não são mais o mesmo país. Seu modelo de crescimento envelheceu, abandonou o seu parque industrial com a transferência do parque manufatureiro para a Ásia, fundamentalmente a China, desde os anos 1980, com as políticas neoliberais desenvolvidas pelo governo Ronald Reagan (1981-1989).

Sem crescimento produtivo sustentável, a economia passou a depender cada vez mais dos mercados do dinheiro das altas finanças movidos pelo agigantamento do sistema financeiro e bursátil. O empobrecimento passou a se tornar uma realidade, com o maior grau de concentração de renda e oportunidades, pois basta considerar que nos dias de hoje, apenas 1% de toda a população apresenta maior riqueza que a soma dos 99% dos estadunidenses. Ademais, constata-se ainda que existem 49,7 milhões de estadunidenses atualmente na condição de pobreza, equivalendo a mais de 16% do total da população.

Se a batalha contra a pobreza parece perdida nos Estados Unidos, bem como se expande a mundialização da pobreza, o Brasil atual não deveria ter motivos para revisar a continuidade do seu caminho próprio. Ou seja, o crescimento econômico com elevação do bem-estar social.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp)