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Marina inclui conselho fiscal que lembra um ‘volta, FMI’

Ao propor a criação de órgão externo ao governo com o pretexto de controlar contas públicas, candidata cria condições privilegiadas para agentes financeiros especularem sobre o orçamento do país

Valter Campanato / ABr

Programa de Marina Silva deixa claro os interesses do mercado financeiro que ela defende

O Conselho de Responsabilidade Fiscal (CRF), externo ao governo, que a candidata Marina Silva (PSB) anuncia em seu programa de governo, é muito semelhante àquelas delegações do Fundo Monetário Internacional (FMI) que vinham ao Brasil intervir em como e onde o governo podia ou não investir o dinheiro que arrecada. Aos que não lembram ou não viveram aquele período, o remédio prescrito pelo FMI era amargo para o povo brasileiro: desemprego, arrocho em salários e aposentadorias, cortes em verbas da educação, saúde e outros gastos sociais, venda do patrimônio público “na bacia das almas”, privatização com tarifaços.

A diferença do que propõe Marina é que os conselheiros do CRF não seriam funcionários do FMI, mas delegados do mercado financeiro privado, claramente uma medida que entrou no para agradar ao mercado. Está na página 45 do programa de governo (veja na foto):

“Criar o Conselho de Responsabilidade Fiscal (CRF), independente e sem vinculação a nenhuma instância de governo, que possa verificar a cada momento o cumprimento das metas fiscais e avaliar a qualidade dos gastos públicos. O propósito será acompanhar a execução do orçamento da União, aprovado pelo Congresso Nacional. Além de tratar do andamento de receitas e despesas ao longo do ano, este órgão deverá evoluir em direção à análise de horizontes mais longínquos e fornecer instrumentos para o planejamento público, de caráter transversal, a longo prazo. Os quadros desse conselho deverão ser escolhidos por critérios técnicos, com regras transparentes, estabelecidas em lei e aprovadas pelo Congresso.”

Observe que é um órgão independente de governo, mas com poder de pressão enorme para intervir em cortes no Orçamento e até para definir o que é “qualidade dos gastos públicos”, um conceito abstrato que passa pelos anseios da sociedade no processo de disputa política. Gasto de “boa qualidade” para uma população carente pode ser visto como de “má qualidade” pelo mercado financeiro.

Esse órgão, o CRF, teria, ao longo do tempo, a atribuição de exercer governança no próprio planejamento público, segundo o texto. Se implementado a sério, tende a caminhar para um governo de burocratas do mercado financeiro, sem maiores participações da sociedade, alijada de seu poder de opinar sobre que rumos pretende para o país.

Outra temeridade é o acesso, por pessoas externas ao governo, a informações privilegiadas antes de serem divulgadas ao mercado. Saber antes dos outros sobre áreas que sofrerão cortes no orçamento vale ouro para o mercado financeiro, pois pode afetar o valor de ações em Bolsa de Valores, afetar projeções de taxas de juros, cotações do dólar.

Os anseios populares por “nova política” são para que o que já existe funcione bem e a serviço do povo. Essa é a boa batalha a ser travada. Não há a menor necessidade de criar mais um órgão externo ao governo, a não ser para retirar a soberania popular e tornar o governo submisso ao mercado financeiro, como foi ao FMI no passado ainda recente.