desinformação

Fantástico ‘municipaliza’ crise da água em São Paulo e poupa Alckmin

Reportagem do programa enfatiza dramas familiares em cidades do interior sem, no entanto, esclarecer a origem dos problemas de abastecimento no estado

Luis Moura/Folhapress

Represa do sistema Cantareira, em julho. Globo tenta tirar de Alckmin responsabilidades por crise de água em SP

Uma reportagem que foi ao ar na edição deste domingo (3) do Fantástico, da TV Globo, teve como “gancho” a notícia de que o Ministério Público Federal de São Paulo recomendou ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) a decretação imediata do racionamento na região metropolitana da capital. Mas desenvolveu-se com um talento impressionante para a manipulação política favorável ao governador e a seu partido.

Em nenhum momento o programa citou o nome do governador, nem de nenhuma autoridade estadual responsável pelo problema. Não recitou a tradicional frase “entramos em contato com a assessoria do governador Geraldo Alckmin, mas ele não quis responder”; em vez disso, a reportagem de seis minutos e meio dedica quase seis mostrando dramas de três cidades “do interior” de diferentes perfis.

É mencionado o problema vivido por Guarulhos, de 1,3 milhão de habitantes. Informa-se que a cidade é atendida por uma empresa municipal de saneamento e administrada pelo PT. Em seguida, vai a Saltinho, de 7 mil habitantes, administrada pelo PDT. E não informa que a pequena cidade, na macrorregião de Piracicaba, é abastecida pelos rios Capivari e Piracicaba, que compõem o Sistema PCJ (que inclui na sigla Jundiaí) – também, ao lado do Sistema Alto Tietê, vítima da ausência de planejamento por parte da política hídrica do estado.

A repórter vai também a Itu, que já vive oficialmente situação de racionamento, com a água sendo cortada por 42 horas seguidas, e fornecida durante 10, período em que os moradores têm de executar com máxima competência os dois mandamentos da crise de água: estocar e economizar. A cidade também tem companhia municipal de saneamento. Tem 156 mil habitantes, prefeitura do PSD e pertence à macrorregião de Sorocaba.

“E na região abastecida pelo sistema Cantareira, que inclui a cidade de São Paulo, o que a Sabesp e o governo do PSDB dizem sobre a recomendação do Ministério Público Federal pedindo que o racionamento comece imediatamente?”, questiona a matéria. E a resposta se limita a reproduzir trechos de uma nota emitida pela Sabesp, assegurando abastecimento em toda a região até março de 2015, se a população continuar economizando.

Ninguém foi ouvido no Ministério Público para explicar as razões de recomendar o racionamento imediato. Tampouco existe a opinião de algum especialista independente – seja para esclarecer os motivos das divergências de vozes, seja para questionar a falta de investimentos planejados e não cumpridos para ampliar a capacidade do sistema. Questionar a prioridade dada ao aumento de dividendos aos acionistas da Sabesp com os lucros vindos das tarifas, em detrimento de reinvestir parte deste lucro em obras estruturantes para garantir segurança hídrica, nem pensar.

Fantástico desinforma o telespectador. Ardilosamente, resume a crise da água à estiagem e municipaliza os problemas de abastecimento e gestão. Chega a informar que em Itu o Ministério Público já recomenda a decretação de estado de calamidade pública.

Ao assinalar que Guarulhos é administrada pelo PT, e atendida por empresa municipal, omite que a empresa compra da Sabesp a água que serve à cidade, vinda do sistema Cantareira. E que falta água em Guarulhos porque a Sabesp reduziu o volume de água entregue à empresa local, como ocorre também com São Caetano do Sul, que não sofreu cortes porque teria cumprido a contento a meta estadual de economia de água. O município é governado pelo PMDB.

Não há problema que os donos da TV Globo tenham suas preferências políticas, desde que em uma situação em que cada cidadão vale um voto. Usar uma concessão pública de um meio de comunicação de massa para manipular notícias a favor de seus candidatos, desinformando o cidadão, já é caso de ferir a democracia, violar o direito à informação e desequilibrar o processo eleitoral.

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