Debate truncado

Não sou contra as ciclovias, muito pelo contrário, mas…

Diálogo meio cômico, meio trágico entre secretário de Transportes e comerciante é simbólico da forma como o debate sobre as políticas públicas de Haddad tem sido conduzido

Fábio Arantes/Prefeitura

Tatto ao lado de Haddad durante inauguração de ciclovia no centro: projeto cumpre plano de governo

A equipe do blog Bike é Legal registrou o encontro do secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, com o comerciante Sebastião Juarez durante a inauguração de 2,6 quilômetros de ciclovias na região central de São Paulo, que pode ser visto no vídeo abaixo. Dono de uma loja de carros pela qual paga R$ 1,8 mil por ano de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Juarez considera “um desrespeito com o trabalhador” a iniciativa da prefeitura de São Paulo de transformar vagas de estacionamento em ciclovias que vão conectar a região da Sala São Paulo, próxima à Estação Júlio Prestes da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), ao terminal de ônibus da praça Princesa Isabel.

Não adiantou Tatto tentar explicar que a decisão de investir em ciclovias faz parte de um projeto de integração de transporte público para melhorar a mobilidade na cidade como um todo e nem mesmo que andar de bicicleta faz bem à saúde e ao meio ambiente.

Para Juarez, a medida prejudica quem prefere o carro e os comerciantes, que contam com vagas públicas de estacionamento em frente a suas lojas como atrativo para os clientes. O comerciante insistiu ainda em questionar a coloração das faixas, vermelhas, por supostamente tratar-se de alusão à cor do Partido dos Trabalhadores, ao qual pertencem Tatto e o prefeito Fernando Haddad.

A sinalização de ciclovias, na verdade, é definida pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão federal, e vale para todo o Brasil.

O diálogo meio cômico, meio trágico, é simbólico da forma como o debate sobre as políticas públicas da gestão Haddad tem sido conduzido desde o primeiro ano de mandato do petista: com muito ruído entre um governo que tenta centrar seu discurso na importância do planejamento de longo prazo e no benefício coletivo e parcelas da população que, por desinformação, implicância política ou puro egoísmo, se recusam a falar sobre reformas estruturais urgentes para que a cidade tenha um futuro mais dinâmico, inclusivo e acolhedor.

O assunto, desta vez, são as ciclovias, mas poderia ser a ampliação dos corredores de ônibus, o programa Braços Abertos, a liberação aos artistas de rua, a mudança do critério de cobrança do IPTU para que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais, o Plano Diretor ou outros episódios da tensão entre público e privado que seguem rondando a administração municipal.

No gabinete do prefeito, assessores brincam que é proibido dizer que o próximo dia de trabalho vai ser tranquilo, e, de fato, parece que nenhuma iniciativa do prefeito que mexa com o status quo da cidade terá recepção pacífica.

Se for essa a origem da rejeição de 47% dos paulistanos à gestão de Haddad, segundo pesquisa Datafolha, o problema vai além de ampliar a divulgação dos atos do governo. A recuperação de popularidade do prefeito e do nível do debate público passarão, necessariamente, pela compreensão geral de que São Paulo tem pela frente desafios ainda mais graves do que os que enfrenta hoje, e, para adaptar-se ao futuro, precisa de novos rumos. Nada contra quem gosta das coisas como elas estão, muito pelo contrário, mas…

Leia também

Últimas notícias