Muita calma nessa hora

Mudar o futebol brasileiro. Mas como?

Trocar o treinador ou rifar jogadores promissores não vai resolver nada, a história mostra. É preciso ter calma para pensar caminhos que levem a uma mudança real, contra opositores como CBF e Globo

© Rafael Ribeiro / CBF

Neymar, Parreira e Marin: futebol brasileiro vive choque entre o futuro e um passado que insiste em permanecer

Depois da tragédia das semifinais, os brasileiros acordaram com vontade de mudar o futebol do país. Tem quem queira mandar o técnico embora, fechar a CBF, banir os jogadores da seleção, quem parafraseie Muricy e ache que o que falta é trabalho, meu filho. E tem quem junte tudo isso numa revolta meio na linha “contra tudo isso aí”. Tudo isso é positivo, mas essa energia toda precisa ser direcionada para estratégias concretas.

A sensação não é fato isolado no futebol brasileiro, guardadas, é claro, as devidas e históricas proporções do evento em pauta. Mas todos os grandes clubes já tiveram elencos e treinadores escorraçados após derrotas em clássicos, às vezes com violência. A invasão do CT do Corinthians no início do ano é um exemplo recente e eloquente: o time ganhou tudo de 2011 até o primeiro semestre de 2013. Bastou a eliminação do Paulistão no começo de 2014 vencido no ano anterior, inclusive  para motivar a agressão de parte da torcida aos jogadores, causando uma debandada no elenco e apressando uma renovação que poderia ser feita com calma.

Recordar essas histórias nesse momento é um pedido exatamente disso: calma. Os apelos por mudanças no futebol brasileiro decorrentes do atropelo sofrido frente à Alemanha são necessários e muito bem vindos. Mas também é preciso cautela. Não adianta dizer, como vi por aí, que esses jogadores nunca mais devem vestir a camisa da seleção. Tem que pensar em como construir o caminho para termos um futebol melhor. É necessário ter tranquilidade para diagnosticar problemas com clareza, traçar um plano que ataque estes pontos e nos faça andar na direção que desejamos – aliás, é preciso saber que direção é essa.

E que fazer?

Menos para palpitar e mais para exemplificar desafios, comecemos fora de campo. É razoável que qualquer mudança profunda passe por uma alteração na entidade que comanda o futebol brasileiro, desde a Série D até a seleção. A CBF precisa mudar, mas não é uma questão apenas de trocar o Marin pelo Del Nero, o Andres Sanches, o Ronaldo, como já foi aventado, ou seja lá quem for. É preciso pensar que modelo de gestão é o mais adequado, que tipo de campeonato queremos, como valorizar o jogo jogado em nossos campos.

E é preciso também lembrar que a CBF não é como é por acaso. Tem uma história de interesses inconfessáveis por trás de tudo aquilo. E um deles nem precisa do confessionário para todo mundo conhecer: a Rede Globo. Mexer no futebol brasileiro é também comprar briga com a Vênus Platinada.

Uma discussão desse porte precisa incluir todos os envolvidos no setor, de jogadores semiprofissionais a estrelas, de técnicos a cartolas, passando por torcedores. E precisa de estruturas e movimentos que mantenham essa discussão, para construir um plano de verdade. Temos sementes disso em movimentos como o Bom Senso FC (leiam aqui carta do zagueiro Paulo André, uma das lideranças do movimento). Que sejam aproveitadas e aprofundadas, incluindo os demais atores.

Em campo, também não adianta trocar o Felipão pelo Tite, como não adiantou trocar o Mano pelo Felipão, ou o Dunga pelo Mano. Os problemas táticos da seleção passam sem dúvida pelo treinador de turno, mas refletem, arriscando aqui um pitaco diagnóstico, a cultura futebolística que se formou no país. Seja por medo de demissão – já que são o primeiro bode expiatório de toda derrota – ou por sei lá que cargas d’água, os técnicos brasileiros acostumaram-se a usar esquemas pra lá de defensivos. Como vamos recuperar o futebol-arte na seleção se nossos treinadores e jogadores não o praticam em seu cotidiano?

E cabe uma outra pergunta: temos jogadores para sustentar um espetáculo do nível que já demos ao mundo, em 58, 70 ou 82? Já vi gente dizendo que os jogadores de ontem não deveriam nunca mais vestir a camisa da seleção – o que pode vir a se confirmar para muitos deles. Mas temos quem mesmo para colocar no lugar deles? Precisamos pensar em nossos clubes formadores, que parecem enfrentar problemas estruturais.

O meio de campo da seleção brasileira, por exemplo, não foi aquele vazio por acaso. Para além dos erros de Felipão, nossos clubes deixaram de formar meias armadores: não temos nenhum jogador no setor que chegue perto da qualidade e da polivalência de um Toni Kroos, por exemplo, quando já tivemos Sócrates e Falcão no mesmo time. Mudar algo assim não é coisa simples, envolve os clubes de vários níveis, seus cartolas, seus técnicos de base.

Enfim, circulando de volta ao início do argumento, como faz a bola entre os pés dos alemães, a mudança é necessária e urgente, mas não será feita do dia para a noite e precisará de muita persistência. Não será algo mágico, mas construído tijolo a tijolo, “desde el pie”, como disse o Eduardo Galeano. Explosões, reais ou metafóricas, têm maior poder de destruir do que de construir. Será certamente preciso dinamitar certas estruturas, práticas e mentalidades, mas tão importante quanto a disposição em fazê-lo é o discernimento de quais são esses alvos e do que queremos construir no lugar deles.