No estádio

A Copa na torcida: uma noite na Arena da Baixada

A visão de uma partida do Mundial a partir das arquibancadas

Cristina Uchôa

Na Arena da Baixada, uma boa visão do jogo

Era a capital do Paraná, mas quase poderia ser uma cidade do Equador, levando-se em conta alguns pontos turísticos da cidade. No sábado, no Jardim Botânico (que tem o Palácio de Cristal) ou no mercado municipal, os torcedores do país vizinho marcavam presença sempre de forma ruidosa, mas simpática, atraindo a atenção dos curitibanos.

Também havia hondurenhos em menor número, mas, pela amostragem não-científica, o perfil de forma geral era distinto. No hotel pela manhã, enquanto dois torcedores equatorianos de feições indígenas, caracterizados com as cores do país, tomavam café, cinco hondurenhos, todos brancos, faziam o mesmo ostentando bolsa Louis Vuitton e jaqueta Tommy Hillfiger.

A pré-entrada do jogo, nas ruas bloqueadas pela Fifa, lembra ao longe cenários de filmes de apocalipse, tal o vazio em alguns trechos. Mas próximo à entrada o amontoado já se desenha. Com gritos, gente se pintando, mas sem brigas ou qualquer espécie de confusão, mesmo com o fluxo de mais de 39 mil pagantes que foram à Arena da Baixada.

O público esperava algo melhor do que a outra peleja disputada ali no Mundial, o nada notável 0 a 0 entre Irã e Nigéria. Dos ingressos vendidos, a maioria foi destinada aos paranaenses: 36% foram para Curitiba e outros 7% para cidades próximas. 36% foram para as mãos de estrangeiros, sendo que, deste total, 36% (cifra repetida nesta contagem…) ficaram com equatorianos, 10,3% com residentes dos Estados Unidos e 1,2% com hondurenhos. Os paulistas, como o escriba, representaram 8,5% das entradas vendidas.

Jogo iniciado, sem consumo de qualquer produto oferecido nos incontáveis estandes e boxes dos patrocinadores e fornecedores do torneio. Os preços abusivos são de conhecimento público, 12 reais por um copo de cerveja, 10 por um saco de pipoca. Como alguns estabelecimentos localizados dentro da área de restrição da Fifa podem funcionar, alguns optam pela gelada a poucas quadras do estádio.

O mar amarelo predomina, já que conta com simpatia de parte dos hinchas brasileiros. Mas os centro-americanos no estádio são valentes como sua equipe, tecnicamente inferior ao nosso vizinho. O comportamento de uma criança hondurenha reflete a expectativa do torcedor do país. O verbo que ela mais conjuga é “sacar”. “Sácalo, sácalo!”, repete sempre que a bola vinha para o campo da sua equipe. “Marque, marque!” é outro pedido corriqueiro da menina de uns nove anos de idade.

Nada de “vamos”, “vai pra cima” ou coisa que o valha. Incorporando o espírito da equipe, o importante é não tomar gols. A menina, suas irmãs e sua mãe vibram como se tento fosse quando o goleiro Valladares intercepta um cruzamento na área. Mas vibram mais ainda quando o gol sai de fato, pelos pés de Costly. Um resultado que nenhum dos equatorianos ali esperava.

E o “sí, se puede” volta a soar alto entre os torcedores sul-americanos. É o grito mais repetido desde antes do início do jogo, e lembra a dificuldade que a equipe vai ter para passar às oitavas depois da derrota no último instante para a Suíça. “Vamos, ecuatorianos, que esta noche, tenemos que ganar” é outro fraseado que irrompe vez ou outra, grito comum a outras torcidas do continente.

A torcida de Honduras faz mais barulho em alguns momentos, mas são os equatorianos que celebram o empate somente três minutos depois. Vibração geral. A família hondurenha se encolhe, embora não haja provocações dos rivais que estão a sua volta junto com a maioria brasileira que comemora qualquer gol ou lance mais incisivo que sai.

No segundo tempo, as tentativas de “ola” fracassam. Se os brasileiros ficam um pouco mais desinteressados no início da etapa final, os equatorianos estão tensos por conta da partida. A equipe tem uma atuação ruim e os hondurenhos, dentro e fora do gramado, começam a acreditar que podem chegar lá. Mas, após perder um contra-ataque, a equipe da América Central sofre a virada.

O gol de Enner Valencia, o segundo dele no jogo e seu terceiro no Mundial, faz finalmente o estádio parecer um estádio de futebol. Os equatorianos vão ao êxtase, cerveja voa sobre os torcedores e até um rolo de papel higiênico vai parar no gramado atirado pela torcida amarela. Sem STJD na parada para tirar mando de campo, só resta saber se o artefato é padrão Fifa, com folha dupla, perfume e quetais.

Nova festa com o que seria o terceiro tento do time. Muitos só percebem bem depois que o árbitro anulou o feito, mas até aí já havia mais duas dúzias de pessoas banhadas com cerveja novamente. Àquela altura, a pequena torcedora de Honduras já havia parado de tentar ajudar sua defesa. Ela e sua família saem calado, mas sorridentes e cumprimentando torcedores rivais. Quem disse que o jogo não valeu nada?

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