Decisão Judicial

O imbróglio do Plano Diretor em São Paulo

Audiências públicas de revisão do plano foram suspensas a pedido da Associação Preserva São Paulo. Alegação é falta de transparência e inclusão de emendas não discutidas

Moacyr Lopes Júnior/Folhapress

Revisão do Plano Diretor é um processo que vem ocorrendo desde agosto do ano passado

O processo de revisão do Plano Diretor de São Paulo está sob xeque. Uma liminar concedida na terça-feira (15), respondendo a ação civil pública movida contra a Câmara Municipal pela Associação Preserva São Paulo, suspendeu as audiências públicas já programadas. As alegações constantes dos autos são de que o princípio da ampla publicidade às audiências não foi observado e que havia duas versões diferentes do projeto de revisão nas audiências dos dias 5 e 6 deste mês de abril.

Outra alegação é de que o texto estava sendo emendado à revelia do processo democrático. Jorge Eduardo Rubies, presidente da Associação Preserva São Paulo, afirmou que as audiências públicas “estavam repletas de irregularidades”. “Todos os dias eles estão mudando o texto. Um dia é um, no outro já mudou”. Há muitas maneiras de avaliar essa decisão. A mais óbvia é pensar em quem moveu a ação.

Quais os interesses da Associação Preserva São Paulo para tal movimento? Superficialmente, é difícil saber. A Preserva São Paulo tem como preocupação maior a conservação do patrimônio histórico e arquitetônico da cidade. É uma causa válida, que está na disputa democrática como todas as outras. Se a intenção foi apenas aumentar a transparência do processo de discussão, faz parte do jogo. Entretanto, é difícil entender a lógica desta denúncia nessa fase de discussões.

A revisão do Plano Diretor é um processo que vem ocorrendo desde agosto do ano passado. O Executivo apresentou sua proposta e a colocou em discussão com a sociedade. Houve um número expressivo de audiências públicas, tanto territorializadas (por subprefeitura) como por eixos temáticos. As propostas apresentadas foram organizadas e inseridas – ou não – no texto do projeto. Agora, é a vez da apreciação por parte da Câmara Municipal. Há mais uma leva de audiências públicas, nas quais a população está novamente sendo ouvida. Não existe, durante as audiências, inserção de emendas para votação. Há, sim, a oitiva de sugestões.

O texto em formato de lei nem tem como ser elaborado em uma audiência. Após as audiências, as novas sugestões serão incorporadas de acordo com a apreciação do relator e vai a plenário. Como o texto que será votado ainda não está definido, fica difícil ter uma base sólida para dizer que emendas prejudiciais apareceram sem discussão. A discussão ainda está acontecendo.

Para esclarecer esse ponto, o blog tentou entrar em contato com a Preserva São Paulo, mas não obteve retorno. A alegação de que havia dois textos diferentes circulando nas audiências até agora não foi comprovada com a apresentação desses documentos. Por fim, é bastante difícil mensurar o que é a publicidade ideal para uma audiência pública.

A regra é que seja amplamente divulgada, mas na prática ninguém sabe bem o que isso significa. Qualquer decisão será tomada com base na interpretação da lei. Os dados divulgados até agora parecem apontar para uma falta de embasamento da acusação. Isso não muda o fato de que é possível fazer críticas consistentes ao processo de participação nas políticas públicas em todo o país.

Tirando as experiências com o Orçamento Participativo e com o SUS, há pouca participação efetiva na elaboração de política pública. Em todas as outras áreas, a população até fala e o poder público até escuta, mas não há nada que garanta que a opinião da maioria vá ser seguida. Os mais críticos dizem que essa seria apenas uma forma de legitimar decisões que serão tomadas sem levar em conta a vontade popular. Essa crítica pode ser repetida para a participação popular em qualquer lugar, na verdade.

A democracia representativa não costuma lidar bem com tentativas de utilizar instrumentos de participação direta. Em um quadro de crise de representatividade, que ficou claro nas manifestações de junho de 2013, esse tema pode ter mais reverberação na sociedade. Por fim, há ainda a discussão da pertinência da aposta coletiva que é feita em torno dos Planos Diretores no país. Esses instrumentos foram utilizados apenas pontualmente até a aprovação do Estatuto das Cidades, em 2001.

Os movimentos sociais de Reforma Urbana, por exemplo, nunca defenderam os PDs. Eles acabaram entrando na Constituição de 1988 por conta de negociações entre as bancadas e tornou-se, assim, o instrumento básico de planejamento urbano no país.

Ainda que haja muitos urbanistas que defendam os Planos Diretores, é um desafio encontrar, no Brasil, uma cidade que tenha transformado a sua realidade por conta da aposta nos planos.

Flávio Villaça, autor do livro As Ilusões do Plano Diretor, é um dos maiores críticos desse instrumento. Nomes como Nabil Bonduki e Raquel Rolnik, por outro lado, defendem sua importância. É uma pena, portanto, que as discussões sobre o Plano Diretor fiquem no nível do detalhe e não passem para a análise mais ampla da questão. O debate poderia ser rico e benéfico para a cidade.

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