paradoxos

O dia em que a Globo aplaudiu um aumento de impostos chamado Plano Real

Emissora chegou a anunciar o pacote como Plano FHC, parte da estratégia para fixar no eleitorado o nome do então ministro, escolhido por ela para disputar a presidência contra Lula e Brizola

 

Como o Jornal Nacional da TV Globo, dogmático contra qualquer aumento de tributos, noticiaria um pacote econômico que começasse pelo aumento de 5% nas alíquotas dos impostos de uma tacada só?

Pois o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em fins de 1993, anunciou três etapas do plano econômico, sendo a segunda delas justamente o aumento de 5% nas alíquotas dos impostos, e a notícia foi dada com alarde pelo principal telejornal da TV Globo, sem qualquer crítica.

As outras medidas do plano foram um corte de 22 bilhões de dólares no orçamento completando o ajuste fiscal, e a implantação da URV (Unidade Real de Valor), um indexador para contratos e pagamentos atrelado ao dólar que serviu de transição para a troca da moeda.

Em reportagem de mais de três minutos, a única voz ouvida no Jornal Nacional foi a do então ministro da Fazenda. Ninguém da oposição teve espaço. Nenhum “especialista” foi ouvido. Em um show de jornalismo “chapa branca”, o repórter narrava: “… como diz o próprio ministro da Fazenda, desta vez o que existe é um processo, que está começando agora e que para dar certo precisa do apoio do Congresso e da adesão voluntária da sociedade…”. Mais adiante, com um infográfico ilustrando, a narração da reportagem justificava o aumento na tributação: “… ainda assim, é preciso mais dinheiro para equilibrar as contas. A ideia, então, é aumentar todos os impostos em 5%”.

Na verdade o aumento da carga tributária no governo Itamar Franco e nos oito anos de mandato de FHC foi bem maior do que os 5% anunciados. Saltou da faixa de 25% do PIB (Produto Interno Bruto) para 35,86%.

De fato, é improvável que o Brasil conseguisse estabilizar a moeda sem aumentar os impostos, pois sem uma arrecadação maior o endividamento explodiria. A questão é a forma que este aumento foi feito, penalizando mais a classe média e pobre, sem tributar grandes fortunas e deixando a alíquota de imposto de renda para milionários baixa quando comparadas a outros países.

Mas não deixa de ser curioso o apoio “global” ao aumento da carga tributária quando o governo era tucano. Talvez seja porque, naquela época, o Darf doesse mais em outros bolsos.

O “Consenso de Washington”, receituário econômico prescrito pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e pelo FMI, explica em parte a subserviência da Globo, sempre alinhada ao pensamento estadunidense.

O contexto das eleições de 1994 explica o resto. Em 1993, Lula despontava como favorito. Setores do PSDB, sem candidato competitivo até então, cogitavam até a coligar-se com o PT. Outro nome forte era o de Leonel Brizola (PDT). A Globo era contra os dois. O debelamento da inflação tinha potencial para tornar FHC um candidato competitivo, como tornou-se de fato. O próprio nome inicial do pacote econômico foi “Plano FHC” para dar mais exposição política ao então ministro da Fazenda. A Globo apostou suas fichas no tucano e, eleitoralmente, não seria conveniente disparar “fogo amigo” por causa do aumento de impostos. Simples assim.

Assista a reportagem do Jornal Nacional de 1993