nas ruas

A curva de desaprendizado dos Black Blocs

A impressão é de que passaram a gostar mesmo é da adrenalina do confronto, da sensação de pertencimento a 'algo que estava acontecendo' e, como o amor é cego, fecharam os olhos às críticas

CC / Mídia Ninja

Black Blocs em ação no metrô do Rio: é tempo de sinalizar que querem mais que simplesmente violência

A melhor coisa surgida das manifestações de junho de 2013 foi o interesse da juventude pela participação política, com todos seus erros e acertos. E todo mundo que já teve 18 anos sabe como é. Utopias a mil, desejo de mudar o mundo, fazer a revolução de sua época.

Tudo isso é muito bom para contestar as estruturas vigentes, que causam mazelas sociais, e faz parte da dinâmica que leva às transformações que toda sociedade saudável precisa para evoluir.

Geralmente, em processos como este há uma curva de aprendizado. Desde o despertar da consciência política, vêm a visão diferente da realidade, o contato com novas pessoas, novas amizades, novos interesses, novas afinidades, descoberta de novas ideias, livros, filmes, enfim, novos conhecimentos.

E com a própria experiência vêm também a reflexão, a crítica e a autocrítica, o chamado exercício da dialética. E some-se a isso uma idade em que não é incomum ter pensamentos diferentes – e muitas vezes opostos – do que se tinha seis meses antes. E que seis meses depois já pode haver outro ajuste de rumo, a partir de horizontes mais amplos de conhecimento.

Porém, oito meses se passaram de junho para cá, e um grupo de manifestantes está ficando para trás na curva de aprendizado, arredios a aprender com seus próprios erros. São os adeptos da tática black bloc. Eles dizem que não são grupo, mas um conjunto de pessoas que formam um bloco para agir da mesma maneira pode sim ser chamado de grupo, em bom português.

Disseminada em outros países, a estratégia black blocs apareceu com relevância no Brasil por ser barulhenta e agressiva. A tática, como resistência, seria válida em casos como a reintegração de posse do Pinheirinho, em resposta à extrema violência policial aplicada para expulsar cidadãos de suas casas.

Mas, em manifestações livres de rua, na maioria das vezes os blocs estão três décadas atrasados, desde o fim da ditadura. Mesmo considerando que as polícias militares também têm um aprendizado a adquirir para lidar com protestos públicos, o fato é que o país vive em plena liberdade de expressão, manifestação e organização, de forma que o uso de táticas violentas é andar para trás, em vez de organizar a sociedade em torno das transformações que se deseja.

Os blocs ganharam alguma simpatia de manifestantes no início, quando as polícias agiram com força excessiva para situações banais de desobediência civil, como uma passeata fechar o trânsito, e eles foram os que mais enfrentaram a força policial.

No entanto, com o correr do tempo, parece que os blocs se apaixonaram mais pela “tática” do que pelo anarquismo de que se dizem adeptos. A impressão é de que passaram a gostar mesmo é da adrenalina do confronto, da sensação de pertencimento a “algo que estava acontecendo” e, como o amor é cego, fecharam os olhos às críticas, aos erros, inclusive nas mensagens que estavam passando. O conceito anarquista de “propaganda pelo ato” virou propaganda negativa.

Perderam simpatia ao extrapolar o conceito de desobediência civil para desobediência penal, quebrando agências bancárias, concessionárias de veículos e multinacionais de fast food – vistos como símbolos do capitalismo. Mas, no Brasil, por mais que ninguém morra de amores pelos bancos, a ideia de aumento da violência assusta a grande maioria da população.

Ficaram mais impopulares ao destruírem patrimônio público, que nem sequer é símbolo do capitalismo, nem de poder estatal. São benfeitorias como pontos de ônibus, lixeiras, postes e placas de sinalização e de trânsito. Interromperam algumas manifestações de movimentos sociais que não seriam interrompidas se os blocs não estivessem lá, porque buscaram o confronto com a polícia.

Por vezes viraram meros estragadores de festa. No 7 de Setembro, em vez de fazerem sua própria manifestação, quiseram atrapalhar o desfile cívico-militar. Que sentido revolucionário ou transformador teria estragar a festa de um filho que estava na arquibancada vendo o pai soldado desfilar? De novo, se o objetivo era fazer “propaganda pelo ato”, o resultado foi apenas serem vistos como “chatos”.

Depois houve o caso do colchão em chamas pretensamente usado como “barricada”. Acabou incendiando um fusca de um trabalhador, com crianças e mulheres dentro, felizmente salvas a tempo. Os blocs não admitiram que poderiam estar errados. Para eles a culpa foi da vítima, segundo divulgaram em suas redes sociais.

Agora, em protesto contra o aumento das passagens de ônibus que acabou em confronto no Rio de Janeiro, na semana passada, um manifestante, que não se sabe ainda se é de fato ou não adepto da tática black bloc, soltou um rojão potente, cujo alvo provavelmente seriam os policiais, mas que acabou estourando na cabeça do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, cuja morte cerebral foi anunciada hoje (10).

Oito meses se passaram desde junho, e não vemos uma curva de aprendizado evolutiva dos blocs.

Não se vê nenhuma autocrítica consistente sobre os episódios do colchão, nem mesmo do caso mais grave do cinegrafista da Band. Não se vê nas páginas dos blocs nas redes sociais nenhuma recomendação para não usar rojões em manifestações. Pelo contrário, o que se lê nas entrelinhas é incentivo subliminar a continuar a escalada da violência, procurando justificar com os casos de violência policial.

Também pouco se vê em termos de conscientização da sociedade, de organização em movimentos sociais para conquistas. Nada que não seja destruição. Enfim, não se percebe nenhuma agenda política positiva dos blocs, mesmo que possam ter.

Para quem luta contra a criminalização de movimentos sociais, não agrada ver a intensa e raivosa campanha que a morte do cinegrafista da Band provocará como resposta da mídia, mesmo que eles não se constituam em um grupo organizado.

Mas, para isso, os blocs têm de se ajudar. Precisam fazer o que a maioria dos manifestantes de junho fizeram no processo de amadurecimento. Precisam aprender com erros, descartando o que dá maus resultados, rever conceitos equivocados, e se engajarem em lutas políticas e sociais mais consistentes do que transformar ruas em um coliseu para o embate entre gladiadores.

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