pretos e pobres calados

Repressão ao funk é mais uma violência contra a periferia

Projeto de lei que vai para sanção de Haddad proíbe realização de bailes funk e outros eventos musicais nas ruas de São Paulo. Ritmo é visto como a expressão de pretos e pobres que devem ser silenciados

Maria Eugênia Sá e Vinicius Souza/agência pública

Punição para quem não obedecer é multa de R$ 2,5 mil

Por iniciativa de dois mais proeminentes integrantes da “bancada da bala” da Câmara Municipal de São Paulo, Coronel Camilo (PSD) e Conte Lopes (PTB), os bailes funk e outros eventos musicais podem ficar proibidos nas ruas de São Paulo. O Projeto de Lei 02, de 2013, que dispõe sobre o assunto, foi aprovado em segunda votação na quarta-feira (4) e segue para sanção ou veto do prefeito Fernando Haddad (PT). A aprovação do projeto foi simbólica e apenas o vereador Toninho Vespoli (Psol) foi contrário à iniciativa. A primeira votação ocorreu em abril e não registrou uma voz contrária sequer. A punição para quem não obedecer é multa de R$ 2,5 mil.

“A questão social é caso de polícia.” A clássica e infame frase cunhada pelo último presidente da República Velha, Washington Luís, já está próxima de completar um século, mas não encontro uma mais apropriada para aplicar a esse caso. O funk é entendido como a expressão de pretos e pobres, que devem ser silenciados a qualquer custo.

O texto da lei é bastante objetivo nesse sentido. O artigo 1º diz que “fica expressamente vedada a utilização de vias públicas, praças, parques e jardins e demais logradouros públicos para realização de ‘bailes funks’ ou de quaisquer eventos musicais não autorizados, independentemente de horário”. Não houve sequer o cuidado de tentar disfarçar. O funk é o inimigo número 1.

Bailes funk na rua representam uma periferia borbulhando energia criativa e vigor, mas que sofre com falta de espaços adequados para a expressão de sua cultura. Em vez de reconhecer essa falha e trabalhar para saná-la, proporcionando lugares que garantam segurança e conforto, nossos representantes escolhem o caminho fácil da proibição. Não dá para dizer que isso deu certo em algum momento, mas parece que essa é a resposta natural e automática para qualquer conflito que não seja facilmente entendido pelos políticos.

Na verdade, o debate deveria ocorrer no sentido contrário. Por que não legitimar a utilização da rua como espaço para eventos musicais? Se devidamente acordada com os responsáveis pelo tráfego e com os moradores atingidos, não há qualquer problema em usar o espaço público para esse fim. Pelo contrário, isso democratiza o acesso à diversão e traz consciência sobre a importância do uso contínuo de ruas, parque e praças. É um aprendizado difícil, mas possível e desejável.

Mas, para quem não faz parte do ambiente cultural que tem como o funk sua expressão, entendê-lo é um desafio. É fácil sentir-se agredido por letras de conteúdo pornográfico e pela temática da ostentação. Embora ninguém tenha nada a ver com a escolha musical alheia, é óbvio que muita gente se sente representada quando há alguma ação contra bailes funk, mesmo que a maioria dos que têm ojeriza pelo estilo jamais tenha sequer se aproximado de uma festa desse tipo.

Mas acredito que falte a quem defende esse tipo de lei uma reflexão sobre o que ela significa. Impedir uma expressão cultural em vez de criar condições para que ela continue a existir é uma forma de violência contra a periferia. E quem vai intervir caso algum baile seja realizado? A Polícia Militar. É importante lembrar, então, que foi por conta de uma reclamação sobre som alto que a polícia entrou no Jaçanã no dia 27 de outubro e disparou contra o peito do adolescente Douglas Rodrigues, sem qualquer motivo.

Aumentar a repressão em favelas e bairros pobres é provavelmente a motivação dos vereadores da bala para a aprovação desse projeto. Para eles, a morte de jovens como Douglas não passa de um acidente de percurso, talvez até desejável, para botar medo nos moradores da região. Mas é isso mesmo que os outros vereadores e, principalmente, os moradores de São Paulo querem que aconteça?

A RBA entrou em contato com os líderes do PT na Câmara para entender a posição do partido em relação a esse projeto, mas não obteve retorno, já que há pouca atividade na Câmara às sextas. O texto será atualizado caso haja uma resposta.