Violência

A Maré pede respeito

Depois de operação policial que deixou 10 mortos, moradores do complexo de favelas do Rio realizam ato para exigir compromisso público do governador Sérgio Cabral com o fim da violência policial

MARCELO SAYÃO/EFE

Duas pessoas são presas na manhã seguinte à operação que resultou em dez mortes

No auge da agitação da cidade do Rio com as manifestações de junho, os moradores do bairro Bonsucesso também se levantaram para um protesto. A pauta não era bem definida, mas a aglomeração de 300 pessoas foi suficiente para criar uma situação favorável para furtos. De acordo com as justificativas policiais, um grupo realizou um arrastão na Avenida Brasil, que estava bloqueada pela manifestação, e, ao se perceberem perseguidos, correram para as ruas que dão acesso ao complexo da Maré, vizinha ao bairro.

Essa situação bastou para deflagrar um massacre até então inédito na comunidade. Seis alegados traficantes foram mortos, além de 3 pessoas que não tinham qualquer envolvimento com o crime e também um sargendo do Batalhão de Operações Especiais (Bope).

Apesar de acostumados com uma violência policial desproporcional ao que se vê fora da favela, os moradores da Maré afirmam que jamais houve uma ação policial tão desastrada no local. Depois das mortes, na manhã do dia 25, os policiais continuavam controlando os acessos da comunidade, parando inadvertidamente quem entrava e quem saía do local.

Em uma conversa com líderes de 9 das 16 comunidades que compõem o complexo da Maré, conheci as reclamações sobre a sempre presente violência policial, a busca por um compromisso do poder público e a vontade de serem vistos como cidadãos, não como suspeitos. Conheci também a profunda descrença dessas pessoas com o poder público. Uma vida toda de descaso com a favela tira a credibilidade dos governantes perante os moradores.

A principal demanda dos representantes dos moradores é com a segurança. Para isso, será realizado hoje às 15h um ato na passarela 9 da Avenida Brasil, sob o lema “Estado que mata, nunca mais”. “Queremos que o governo se compromta a mudar a forma de abordagem em todas as favelas, não apenas na Maré”, explica Charles Gonçalves, líder comunitário do Baixo do Sapateiro. “Quando teve saque nas lojas durante a manifestação do Centro, ninguém entrou atirando para matar. É esse o tratamento que exigimos”, acrescenta. A líder da comunidade Vila Real, Willem Cristina, lembra que, mesmo que o objetivo de incursões policiais seja prender traficantes, existe uma lei que deve ser cumprida. “Se a pessoa cometeu um crime, deve ser presa, e não executada”, afirma.

Pergunto aos líderes se eles têm esperança de que a onda de manifestações no Brasil ajude a pauta da periferia a ser ouvida e levada a sério pelos governantes. As respostas não poderiam ser mais pessimistas. Todos os líderes demonstraram dúvidas e reservas em relação ao compromisso do poder público com eles. “Só o tempo vai dizer se as manifestações vão trazer algo de bom para nós. Mas acho que os políticos vão continuar vindo aqui em tempo de campanha política para pedir votos e depois vão deixar de nos ouvir, como sempre acontece”, acredita Carlos Alberto, do Parque União.

Não dá para deixar de sentir solidariedade com esse sentimento. Numa comunidade que teve de levantar e lutar por cada melhoria – postos de saúde, escolas, energia elétrica – todos sabem que nada vem sem muito esforço coletivo. A pauta da violência policial é apenas mais uma dentre várias que fazem a diferença para a comunidade. Eles já foram recebidos pelo comando da PM do Rio de Janeiro, que se comprometeu a reavaliar a maneira como entra na comunidade, mas mesmo esse compromisso é visto com reservas. É hora de a favela deixar de ser um local para pedir votos e entrar de fato para o tecido urbano da cidade. Só assim a sensação de exclusão poderá começar a se dissipar.

Leia também

Últimas notícias