O que vem agora

Não era (apenas) por R$ 0,20. E agora, pelo que é?

Protestos conseguem objetivo de revogar aumentos. Agora, movimentos devem definir pautas futuras

Danilo Ramos. RBA

A repressão policial ajudou, mas não explica sozinha o sucesso do Passe Livre em mobilizar o país

Depois da revogação do aumento das tarifas de transporte coletivo em São Paulo e no Rio de Janeiro, a comemoração ainda está em curso. Mas certamente aqueles que sentem que suas reivindicações foram atendidas já pensam: e agora?

Um movimento que criou tanta coesão social não vai acabar de uma hora para outra por ter tido sua reivindicação principal atendida. Até por ter tido sucesso, acredito que muita gente esteja trabalhando em uma agenda complementar. Afinal, o lema era “não são só 20 centavos”.

É hora, então, de definir o que significa essa frase tão cifrada. Durante toda a semana houve disputa entre grupos presentes nas passeatas em relação a essa pauta estendida. Todos tinham uma resposta, mas elas eram diferentes entre si. Elas iam desde o Movimento pelo Passe Livre, que defendeu sempre o foco na revogação do aumento da passagem, até viúvas do movimento Cansei, que gritavam contra tudo o que está aí, passando por gritos de impeachment contra a presidenta Dilma e pelo fim do Bolsa Família.

Essa variedade de objetivos só mostra o óbvio: é impossível juntar tanta gente – as contagens em São Paulo vão dos 65 mil aos 200 mil na segunda-feira – lutando exatamente pela mesma coisa. Foi um feito histórico que um movimento relativamente marginal como o MPL tenha conseguido liderar nacionalmente os protestos contra o aumento das tarifas, aumentos esses que normalmente são aceitos sem grande comoção. É bem verdade que houve um “auxílio” da Polícia Militar paulista, que reagiu com violência nos primeiros atos, para divulgar a causa, mas tampouco foi a primeira demonstração de truculência policial em manifestantes. De qualquer forma, a mobilização já ocorrida deve dar força para as próximas reivindicações

Não é difícil montar uma pauta relevante sobre os problemas da mobilidade em São Paulo. Em primeiro lugar, os contratos com as empresas de ônibus devem ser tornados públicos o quanto antes, bem como as planilhas de custos. Os balancetes e outros documentos fiscais também devem ser divulgados regularmente.

Um serviço público deve estar constantemente sob vigilância. O fato de que são empresas privadas que prestam esse serviço não é motivo para que isso não aconteça. Sem essa divulgação, não há maneira de avançar na questão da desoneração dos usuários de transporte coletivo. Isso vale para o serviço municipal mas também para as linhas metropolitanas, que têm custos ainda mais questionáveis. Por trajetos muito mais curtos, elas cobram um valor sempre maior do que o da capital.

Outra reivindicação óbvia é a da melhoria da qualidade. Ônibus em boas condições e acessíveis em todas as linhas, horários previsíveis, serviço noturno, ampliação dos corredores de ônibus, integração metropolitana de qualidade e muitos outros indicadores podem entrar na lista.

Reivindicações relacionadas a outros temas devem seguir caminhos diferentes agora. Já há atos marcados em diversas cidades contra o projeto de cura gay, aprovado pela Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, contra a PEC 37, que impede que o Ministério Público realize investigações, e contra o Estatuto do Nascituro, em tramitação no Congresso. Belo Horizonte e Florianópolis ainda marcham contra o aumento das tarifas e por qualidade no transporte coletivo. A periferia de São Paulo parou por conta de diversas manifestações lideradas pelo movimento dos sem-teto.

O resultado de todo o esforço dos manifestantes foi, além da queda do reajuste, uma mobilização que ainda não havia atingido essa geração. De fato, nunca foi por 20 centavos.

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