Urbanismo feito à mão – um elogio à ação local

Fundado e administrado por mãe, o Mother Unite oferece atividades para crianças (foto: Deutsche Bank Urban Age Award) Quando conheci o livro Handmade Urbanism (Urbanismo feito à mão, em tradução […]

Fundado e administrado por mãe, o Mother Unite oferece atividades para crianças (foto: Deutsche Bank Urban Age Award)

Quando conheci o livro Handmade Urbanism (Urbanismo feito à mão, em tradução livre), me interessei de cara. Na minha opinião, um dos grandes desafios do planejamento urbano – e das ações públicas de maneira geral – é como trazer as pessoas para opinar sobre o espaço público. A prática tradicional na área, descrita fartamente na literatura acadêmica, não dá conta de vencer as dificuldades reais das pessoas: por diversos motivos, as pessoas que vivem em grandes cidades não têm tempo para se engajar na transformação do ambiente em que moram. 

O caminho usual da (não) participação é o seguinte: administração pública sugere uma ação e o tema é discutido em reuniões com a comunidade, audiências públicas e outras formas. Sem negar a importância desse tipo de iniciativa, seu impacto na vida das pessoas é limitado. Os moradores acabam com pouco espaço para propor soluções, já que debatem projetos prontos.

É nessa complicada discussão que entra o Prêmio Urban Age, financiado pelo Deutsche Bank.  A iniciativa estudou projetos comunitários em cinco cidades – Mumbai, São Paulo, Istambul, Cidade do México e Cidade do Cabo ao longo de cinco anos, para a formação de um banco de dados de iniciativas de sucesso, além de premiar as melhores idéias. Todas essas cidades são grandes metrópoles com enormes problemas sociais e urbanos. O objetivo era mapear essas iniciativas e estudar suas semelhanças, seu impacto nas comunidades e sua replicabilidade. Os projetos agem nas mais diversas áreas. Alguns exemplos são: educação, saneamento, mobiliário urbano, limpeza e promoção de empregos.

Desse projeto nasceu o livro Handmade Urbanism. A publicação destaca três projetos em cada cidade, além de apresentar entrevistas com acadêmicos, integrantes do poder público, ativadores culturais e, claro, com os responsáveis pelas iniciativas. Esse conjunto ajuda a montar um cenário otimista para a participação popular no planejamento urbano. A análise de iniciativas populares ajuda a entender o que é necessário para uma iniciativa dar certo. Qual a infraestrutura mínima necessária? Quais os atores que ajudam no trabalho? Como financiar? A partir dessas respostas, é possível que o poder público ofereça as condições mínimas para que as comunidades criem soluções para seus próprios problemas.

Para ilustrar as ideias contidas no livro, o post de hoje vai destacar alguns dos projetos comunitários lá descritos. Amanhã, publico uma entrevista com o arquiteto e urbanista Marcos Rosa, brasileiro radicado na Alemanha que é um dos autores dessa publicação. Na conversa com Rosa, as potencialidades desses projetos ficam claras.

Edifício União – São Paulo

A construção de oito andares inacabada dos anos 70 virou uma invasão na década seguinte. Como muitos outros prédios abandonados, virou um cortiço no centro de São Paulo. A cooperação entre os moradores e estudantes de arquitetura da Universidade de São Paulo, iniciada em 2003, transformou o esqueleto em um prédio acabado, com 42 apartamentos. O projeto mostra que a junção da vontade dos moradores com orientação técnica adequada pode ser a solução para muitos problemas de moradia. 

Nurtepe First Step Cooperative – Istambul

Pensado para mulheres que chegam à cidade sem o devido suporte social, o programa oferece creche, treinamento profissional e aulas de empreendedorismo, liderança e discussões sobre violência doméstica. O objetivo é dar condições a essas mulheres e criar novos laços sociais, que as ajudem a lidar com a realidade na nova cidade. Apesar de ser financiado por uma fundação (Foundation for Support of Women’s Work ou Fundação para Apoio ao Trabalho Feminino, em tradução livre), o centro é tocado como uma cooperativa, pelas famílias que dele se beneficiam. Assim, as necessidades locais são atendidas.

Miravalle Community Council – Cidade do México

Miravalle tem uma história parecida com muitos bairros periféricos brasileiros. É uma área antes usada para agricultura, que foi ocupada aos poucos por pessoas que não podiam arcar com os cursos de viver perto da infraestrutura urbana. A partir de 2006, diferentes organizações locais passaram e realizar encontros mensais para discutir como melhorar a vizinhança. O conselho recuperou espaços abandonados que hoje são ocupados por biblioteca, lan house, sala de aula para diversos cursos, restaurante com preço acessível e centro de saúde. Eles ocuparam ainda uma área próxima para produzir comida e construir um centro de reciclagem que emprega 30 pessoas.

Mothers Unite – Cidade do Cabo

Nascido na casa de uma mãe em 2007, o programa conta com 6 voluntárias (também mães da comunidade) para oferecer educação e refeições para 120 crianças, 3 vezes por semana. O espaço usado foi construído com containeres de carga doados. A Mothers Unite se associou a uma série de outras organizações (ONGs, igreja e universidades) para melhorar e sustentar o projeto. As crianças atendidas mostraram grande melhora nas interações sociais e no desempenho escolar.

Mumbai Waterfronts Center – Mumbai

Um grupo de residentes de classe média, cansados de encarar diariamente a sujeira na área em frente ao mar da vizinhança de Bandra, se uniu e mudou radicalmente a área. Depois de realizar a limpeza, eles se uniram a entes municipais e outras associações para transformar o local em um centro cultural. Hoje, apresentações de música são realizadas em um anfiteatro, junto às árvores e plantas plantadas ao longo do tempo. Mobiliário urbano e locais para crianças completam a nova área de lazer da cidade.

 

Siga o Desafios Urbanos no Facebook

Leia também

Últimas notícias