Maria Bethânia canta e declama dores e prazeres do amor

Maria Bethânia e Wagner Tiso juntos (Fonte: Divulgação/ João Milet Meirelles) A certa altura de sua “Carta de Amor”, espetáculo que estreou no Rio de Janeiro e passou nos últimos […]

Maria Bethânia e Wagner Tiso juntos (Fonte: Divulgação/ João Milet Meirelles)

A certa altura de sua “Carta de Amor”, espetáculo que estreou no Rio de Janeiro e passou nos últimos dias por São Paulo – terá uma apresentação final amanhã (2), com ingressos esgotados –, Maria Bethânia destaca a diversidade musical brasileira. Naquele momento, ela comenta o fato de uma baiana estar acompanhada de um maestro mineiro, Wagner Tiso, interpretando composição de um paulista, Arnaldo Antunes, em ritmo de xote. E interpreta, no melhor estilo Bethânia, intenso, A Nossa Casa, criação coletiva (Antunes, Alice Ruiz, Luiz Tatit e mais quatro autores): “A nossa casa é onde a gente está/ A nossa casa é em todo lugar/ A nossa casa é onde a gente está/ A nossa casa é em todo lugar”. E A Casa é Sua: “Por que não chega logo/ Nem o prego aguenta mais/ O peso desse relógio”.

A casa de Maria Bethânia, seu habitat, é o palco. Ali, a santamarense (natural de Santo Amaro da Purificação) desfila, declama, dá novas formas a velhas canções. É o caso de “Na Primeira Manhã”, de Alceu Valença, que ganha uma roupagem mais pop.

O espetáculo mistura poemas e canções de diferentes fases da carreira, com destaque para as do álbum Oásis de Bethânia, o 50º da carreira da cantora, que em junho completará 67 anos. A turnê, dirigida por Bia Lessa, estreou no Rio, para onde volta nos próximos dias 13 e 14. Depois vai para várias cidades do país até seguir para Portugal, em junho. Com iluminação e cenário de Tomás Ribas, o que se vê é um belo show de luzes. Bethânia usa uma saia cinza com traços na horizontal e sobre a qual são projetadas diferentes cores, como lilás, azul, rosa e vermelho. 

Pontual, ela inicia o show com Canções e Momentos, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e Sangrando, de Gonzaguinha. Duas composições que falam do ofício de criar. Nos cravados 90 minutos de espetáculo, passeará por clássicos da velha-guarda, como Negue (Adelino Moreira e Enzo Passos), e Lua Branca (Chiquinha Gonzaga). Não faltará uma pérola do cancioneiro do baiano-mor, Dorival Caymmi, Dora. E canções do irmão Caetano Veloso, Não Enche e Reconvexo, esta última terminando com parte do público em pé, com aplausos insistentes: “Quem não rezou a novena de Dona Canô/ Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor/ Quem não amou a elegância sutil de Bobô”. Dona Canô, mãe de Bethânia, morreu em dezembro, aos 105 anos.

Um momento que impressiona, pela força da letra e da interpretação, que alterna entre o suave e o dramático, é com “Quem me leva os meus Fantasmas”, do português Pedro Abrunhosa: “Quem me leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? Quem me diz onde é a estrada?”. Ou na canção-título do show, de autoria de Paulo César Pinheiro: “Sou como a haste fina que qualquer brisa verga/ Mas nenhuma espada corta”. 

O espetáculo tem um breve “intervalo” instrumental, quando Bethânia deixa o palco e a banda assume o comando, sob a regência do diretor musical Wagner Tiso, da geração Clube da Esquina. Com o maestro ao piano, Gabriel Improta (violão e guitarra), Paulo Dafilin (violão e viola), Jorge Helder (“O baixo mais desejado do Brasil”, diz a cantora), Pantico Rocha (bateria), Marcelo Costa (percussão) e Marcio Mallard (violoncelo) interpretam Cais e Maria Maria, de Milton.

Também integram a “carta” de Bethânia músicas bem conhecidas, de autores diversos como Roberto Carlos (Fera Ferida, em  parceria com Erasmo Carlos), Ângela Ro Ro (Fogueira), O Velho Francisco (Chico Buarque) e Marambaia (Henricão e Rubens Campos). Mais recentes, como a bela Estado de Poesia, de Chico César. E, característica da cantora, a interpretação de poemas de Fernando Pessoa e José Régio, como o Cântico Negro: “Não, não vou por aí!/ Só vou por onde/ Me levam meus próprios passos”). 

No final, mais Gonzaguinha: Explode Coração e O que é, o que é, esta última cantada sem acompanhamento musical. Bethânia rege o público. “Não mexe comigo que eu não ando só”, diz a Carta de Amor. Ela parece cantar os prazeres e dores do amor.

 

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