Viva o centro repovoado – mas é preciso refletir

O Centro deve receber todos os tipos de moradores, mas investimento público deve beneficiar a faixa de renda mais baixa (foto: Prefeitura de São Paulo) O prefeito de São Paulo, […]

O Centro deve receber todos os tipos de moradores, mas investimento público deve beneficiar a faixa de renda mais baixa (foto: Prefeitura de São Paulo)

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e o governador do estado, Geraldo Alckmin, anunciaram na semana passada uma parceria para a construção de cerca de 20 mil unidades habitacionais no centro de São Paulo.

O investimento total nos empreendimentos será de R$ 4,6 bilhões. A Prefeitura entrará com R$ 400 milhões, uma média de R$ 20 mil por unidade habitacional. A iniciativa privada ficará com o encargo de R$ 2,6 bilhões, enquanto o governo do estado, investirá R$ 1,6 bilhão, em parceria com o programa “Minha Casa Minha Vida”, da União.

Os beneficiados deverão ser trabalhadores do centro da capital paulista, desde que não possuam imóveis em seu nome. Do total de 20.221, 12.508 unidades habitacionais serão destinadas à população com renda de até R$ 3.775 (5 pisos salariais estaduais). As outras 7.713 unidades serão para trabalhadores com renda entre R$ 3.775 e R$ 10.848. Duas mil unidades devem ser destinadas a entidades pró-moradia, que costumam representar a parcela da população com renda de 0 a 3 salários mínimos.

O plano vem de encontro a uma demanda histórica de grupos de moradia: habitação em áreas centrais. O número de unidades ainda não chega nem perto de começar a atender o déficit habitacional da cidade, mas é importante para que a cidade comece a perceber o centro como um local habitável. 

Um ponto muito positivo do projeto é a reserva dos andares térreos das construções para a instalação de comércios. Essa é uma das grandes falhas de grande projetos habitacionais nas periferias brasileiras: ao abrir um novo bairro, as empreiteiras constroem dezenas de prédios, que ficam completamente fora do tecido urbano, sem reserva de espaço para comércio e serviços.

Mas, por mais boas intenções que estejam sendo colocadas em prática com esse projeto, nem tudo são flores. As faixas de renda atingidas são diversas, o que é ótimo, mas apenas 10% das unidades estão reservadas para a baixíssima renda. É pouco, já que é nessa faixa de rendimentos que está o maior déficit habitacional. Trabalhadores com rendimento acima de R$ 5 mil já são atendidos pelo mercado. Não seria mais impactante focar os recursos na menor faixa de renda?

Entendo que, da mesma forma que não é desejável que se criem clusters de moradias de altíssima renda, criar apenas moradias populares não é o modelo mais indicado. Quanto maior a mistura de pessoas convivendo na cidade, mais democrática ela se torna. O que é questionável é o grande aporte de recursos governamentais. É possível levar a classe média para o centro com outros modelos menos custosos, liberando assim recursos para que mais precisa.

Outro ponto para ser observado com atenção é a qualidade dessas moradias, outra questão sempre negligenciada quando se trata de empreendimentos habitacionais desse tipo. Haverá arquitetos pensando cada prédio? O conforto térmico e sonoro dentro das habitações será levado em conta? Haverá um paisagismo que ajude a melhorar o ambiente dentro dos prédios? Esses detalhes podem parecer supérfluos e, talvez, encareçam uma obra, mas um prédio é construído para durar pelo menos 50 anos. Quanto maior a qualidade da construção, quanto menos ela se parecer com um conjunto habitacional para a baixa renda, maiores as chances de esses prédios se fundirem com o tecido urbano. Dessa forma, mesmo que os primeiros moradores deixem o local depois de alguns anos, sempre haverá interessados em ocupá-los, sem que para isso sejam necessários grandes investimentos em recuperação ou readequação, ou pior, na demolição e reconstrução. 

Como ainda está em fase inicial, essas reflexões ainda têm chance de acontecer dentro do projeto. Na verdade, dado a ocorrência de reuniões de arquitetos e urbanistas com o prefeito Fernando Haddad, acredito que essas questões estão sendo levadas à mesa. Só espero que a pressa e o poder econômico das construtoras não vença a necessidade de construção de um ambiente urbano sustentável.

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