Shopping centers em favelas serão realidade em breve. Mas isso é positivo?

Complexo do Alemão deverá ser a primeira comunidade a ter um shopping (foto: Prefeitura/RJ) Está sendo noticiada com alarde a futura criação de um shopping center no Complexo do Alemão, […]

Complexo do Alemão deverá ser a primeira comunidade a ter um shopping (foto: Prefeitura/RJ)

Está sendo noticiada com alarde a futura criação de um shopping center no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O investidor, Elias Tergilene, que é ex-camelô, pretende expandir seu negócio para Paraisópolis, em São Paulo e as favelas do Papagaio e da Serra, em Belo Horizonte. Além disso, outras quatro favelas do Rio estão na lista do empresário. Elias espera a desapropriação de uma fábrica antiga na região do Alemão para tocar o projeto. 

O shopping faz parte de um conjunto de projetos que está sendo lançado pela Fholdings (F de favela), capitaneada por Celso Athayde, produtor cultural, escritor e agora empreendedor. Athayde construiu parte de sua história na Central Única de Favelas (Cufa), responsável por incontáveis projetos sociais em favelas brasileiras. Além do shopping, há parcerias fechadas com uma fábrica de móveis, um instituto de pesquisa, uma produtora de eventos, entre outras empresas.

Celso Athayde explica que seu objetivo é trazer para a favela os empregos necessários para absorver a mão de obra que é treinada pela Cufa. “Há dificuldades para conseguir colocação para os alunos.  Conseguir emprego para uma pequena parte deles já era motivo de comemoração”, afirma. Ele conta que foi isso que o motivou a atrair o maior número de empresas possível para as favelas. 

O shopping é, dessa forma, apenas mais uma das possibilidades de geração de emprego e renda no local. O investimento inicial deve ser de R$ 20 milhões, com criação de 6 mil postos de trabalho. Athayde destaca ainda que há regras específicas a serem cumpridas. Pelo menos 60% dos proprietários das lojas têm de morar na comunidade. “Isso faz com que o dinheiro fique aqui de fato, em vez de a comunidade ser explorada pelas marcas”, acredita.

Entendo que, com o aumento progressivo da renda dos moradores de favelas nos últimos anos, essas pessoas entraram no mundo do consumo. E isso é bom, pois antes a população das favelas era privada de praticamente tudo que se vende em shoppings. A pulsão pelo consumo é quase irrefreável. A própria Fholdings apresentou dados que dão conta de que a classe B e C cresceram mais dentro das favelas do Rio do que em qualquer outra região do país. O dinheiro está lá – é um mercado de bilhões de reais

Mesmo assim, e com todas as condições impostas para o funcionamento do shopping, a notícia despertou em mim um certo desconforto. Os shoppings são a epítome do urbanismo elitista e excludente que tem inspiração americana, mas que ganhou toda uma nova cara e importância em São Paulo. Lá, os prédios residenciais agora também parecem shoppings. Escolas parecem shoppings. Até igrejas parecem shoppings – a Universal do Reino de Deus da avenida João Dias não me deixa mentir.

Será positivo levar essa lógica para as favelas? Qual o impacto disso no ambiente urbano dos morros cariocas, tão diferente do asfalto? O shopping vai substituir áreas de lazer? Por que homogeneizar ainda mais a cidade, e justamente as favelas, que são hoje os espaços mais vibrantes das nossas cidades caretas? Os bailes funk das favelas do Rio e o rap e os saraus da periferia paulistana são um sopro de ideias novas em um cenário cultural um tanto monótono. Em que um shopping pode ajudar nesse movimento? 

Essas perguntas não têm respostas imediatas. Carecem de uma reflexão que deveria ser levada a cabo por representantes do poder público e da comunidade. O problema é que não haverá essa discussão. A lógica da demanda pelo espaço é a única que rege a abertura de shoppings. Se há um estudo que promete que o shopping estará cheio, ele vai ser construído. Não há reflexões sobre o espaço urbano. Tampouco outras questões relevantes são discutidas, como alimentação desequilibrada, consumismo exagerado, endividamento das famílias. Os moradores são vistos exclusivamente como consumidores, não como cidadãos.

Não quero de nenhuma maneira que os moradores das favelas sejam impedidos de consumir em um shopping center por decisões de outras pessoas. Só acredito que a cópia de um modelo de cidade e de sociedade que já dá evidentes sinais de falência não é o melhor caminho para ninguém, nem para lugar nenhum.

 

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