Peça ‘JT – Um Conto de Fadas Punk’ discute liberdade no mundo das celebridades

Cena da peça de Luciana Pessanha, destaque da temporada teatral em São Paulo (©divulgação) No mundo midiático e literário, nem tudo é o que parece. É o que demonstra o […]

Cena da peça de Luciana Pessanha, destaque da temporada teatral em São Paulo (©divulgação)

No mundo midiático e literário, nem tudo é o que parece. É o que demonstra o ótimo espetáculo “JT – Um Conto de Fadas Punk”, de Luciana Pessanha, com direção de Paulo José, e atuação de Natália Lage, Débora Duboc, Nina Morena, Hossen Minussi e Roberto Souza. Em cartaz no Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, em São Paulo – onde fica até 15 de julho –, trata-se de uma produção que mistura várias linguagens e tem justamente aí um de seus trunfos.

Luciana Pessanha, jornalista e colaboradora de José Emanuel Carneiro, na atual telenovela da TV Globo “Avenida Brasil”, resolveu transformar a história verídica de JT LeRoy num espetáculo extremamente envolvente e que trabalha de modo muito bem-humorado com vários ícones da cultura pop, a começar pela declarada referência ao artista plástico norte-americano Andy Warhol.

LeRoy, muitíssimo bem interpretado por Natália Lage, é o autor de dois romances que se tornaram best-sellers também em função do mistério e das informações desencontradas que envolvem o escritor, que utiliza uma peruca oxigenada, óculos escuros e chapéu, o que o deixa bastante parecido com Warhol.

JT LeRoy sofreu abusos sexuais na infância e foi retirado das ruas pela escritora de pouco sucesso Laura Albert, ou Emily Frasier, também numa atuação soberba de Débora Duboc. Ela sobrevive trabalhando com sexo por telefone e possui uma banda punk, Daddy Don’t Go, que só passa a fazer sucesso quando torna-se liderada por LeRoy, do qual não desgruda por um único instante, principalmente nas entrevistas dadas a jornalistas e em festas badaladas.

A grande sacada é que JT LeRoy não passa de uma armação de Laura Albert, que vende os direitos de suas obras para o cinema e consegue convencer até as grandes celebridades da cultura pop contemporânea. Tanto que uma artista italiana chega ao ponto de assediá-lo para ter um filho com ele.

São irresistíveis os depoimentos dublados de astros como Bono Vox (U2), Courtney Love, Winona Ryder e Madonna, além dos brasileiros Nelson Motta, Otavio Augusto e do próprio diretor Paulo José (numa aparição divertidíssima). As imagens aparecem em várias tiras de pano suspensas do teto, várias delas nas mesmas cores das célebres telas dedicadas por Andy Warhol a Marilyn Monroe, fruto do trabalho caprichado dos videografistas Renato e Rico Vilarouca.

“Em 2005 entrevistei o escritor JT LeRoy, no Off Flip, em Paraty. Preparada para um gay cheio de atitude, encontrei uma menina amedrontada, de quem só se poderia sentir compaixão. Para preservar o artista, passei por cima da intuição e a matéria saiu sem o registro da minha primeira impressão. Dois anos depois, descubro pelo New York Times que a escritora Laura Albert estava sendo processada pela produtora Antídoto Filmes, por mandar a cunhada, Savannah Knoop, assinar um contrato de cessão de direitos autorais se fazendo passar por JT Leroy – que jamais existiu”, conta Luciana Pessanha, no programa do espetáculo. Ou seja, como a boa e velha conhecida trama de “O Médico e o Monstro”, uma hora a criatura se volta contra o criador e a verdade vem à tona.

O cenário de Fernando Mello da Costa, em combinação com a iluminação de Renato Machado, é um dos mais criativos e impactantes das últimas temporadas teatrais brasileiras. Nele, há espaço para uma banda de rock, um andar suspenso e as tais tiras de pano, que muitas vezes criam novos ambientes, todos eles marcados pelo predomínio de tons de marrom. 

Os figurinos assinados pela craque Kika Lopes também chamam atenção, principalmente no que se refere ao auxílio para criar as diferentes nuanças de personalidades de JT LeRoy. O mesmo acontece com o visagismo de Ricardo Tavares e com a direção musical de Ricco Viana, ainda mais ao se tratar de um espetáculo com várias referências ao universo punk.

“JT – Um Conto de Fada Punk” é, portanto imperdível para quem deseja pensar a respeito da cultura contemporânea, marcada pelo mundo vazio, muitas vezes, das celebridades, em que o mais importante geralmente é a imagem criada, mesmo que falsa, do que a realidade e o conteúdo apresentado num trabalho. Porém, ao invés de procurar fazer tratados ou passar lições de moral, o que se vê é um espetáculo bastante ágil e que se vale da linguagem pop e do uso de várias mídias para envolver e encantar o espectador.

“Essa peça nasce do desejo de liberdade para Laura e para todo e qualquer escritor. Liberdade da obrigação de estar confinado a uma liberdade rígida. Liberdade para criar biografias falsas ou contar histórias verídicas como se fossem ficção. Liberdade para se esconder atrás de personagens e falar livremente, de uma solidão para a outra, em silêncio, como a literatura sempre fez”, finaliza Luciana Pessanha.

 

Serviço
Peça JT – Um conto de fadas punk. Até 15/7
Sessões: sextas e sábados, 21h, e domingos, 18h – Ingressos de R$8 a R$32
Teatro Anchieta – Sesc Consolação – Rua Dr. Vila Nova, 245. Consolação. São Paulo/SP
T: (11) 3234-3000

 

 

 

 

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