Criador do conceito, diretor do Pnuma defende economia verde na Cúpula dos Povos

Achim Steiner, diretor do Pnuma, visita instalações da Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 (CC/Unep/Flickr) Rio de Janeiro – Talvez tenha sido o momento mais caloroso de debate realizado […]

Achim Steiner, diretor do Pnuma, visita instalações da Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 (CC/Unep/Flickr)

Rio de Janeiro – Talvez tenha sido o momento mais caloroso de debate realizado até aqui em todo o processo da Rio+20. Principal arquiteto do conceito de economia verde que vem sendo desenhado pela ONU, o diretor-geral do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, esteve na noite de sábado (16) na Cúpula dos Povos, onde participou de uma mesa de discussão com algumas das principais lideranças do evento organizado por redes e movimentos sociais de todo o mundo.

Acossado pelas diversas críticas dirigidas ao conteúdo do relatório do Pnuma que sugere a adoção de critérios sustentáveis para o sistema econômico global, Steiner se defendeu dizendo que o tema é complexo e pediu aos ambientalistas ajuda para enfrentar o “inimigo comum”, como identificou o mercado financeiro internacional.

Representante das organizações reunidas na Carta de Belém, Larissa Packer afirmou que a economia verde, na forma como está sendo proposta pela ONU, “é fundamentalmente baseada na financeirização e na mercantilização dos bens comuns e permanece atrelada à economia marrom”. Ela também afirmou que “em nome da economia verde, estão havendo contra os territórios e as populações tradicionais as mesmas violações que o sistema capitalista vem produzindo ao longo do tempo”.

Larissa fez uma série de indagações ao diretor-geral do Pnuma: “A proposta da economia verde é transferir a tutela ambiental do planeta para o mercado? Será o senso de oportunidade deste mercado que irá regular a conservação e o uso sustentável das florestas e a redução dos gases de efeito estufa? Por quê vender a economia verde como uma coisa nova quando ela repete, até com mais contundência, a mesma proposta que vem sendo apresentada desde os anos 60?”. A velha receita, segundo a ambientalista, prega a adoção de novas e mais limpas tecnologias, além do controle privado sobre o desenvolvimentos destas: “Isso significa mais acumulação tecnológica para os países do Norte em detrimento dos países do Sul”.

A distância entre discurso e prática na Rio+20 também foi criticada por Larissa: “A economia verde fala em erradicação da pobreza, mas não em distribuição de riqueza, terra e renda”, disse. Além dessa distribuição, a ambientalista propôs a adoção de “linhas estruturais de modificação do poder” como a reforma agrária, a agroecologia e a diversificação do modelo de produção. Larissa também exortou o Pnuma a levar em conta as alternativas de desenvolvimento sustentável que estão em curso nos territórios em diversos pontos do planeta: “Por quê a ONU, como um espaço multilateral e que deveria ser democrático, não se abre a essas alternativas?”, indagou.

 O canadense Pat Mooney, dirigente da organização ETC, criticou a ausência de diálogo entre a sociedade civil e os governantes e empresários presentes ao evento oficial da Rio+20: “Por quê não fazem esse debate conosco lá no Riocentro? Por quê os governantes e dirigentes da ONU, salvo uma ou outra exceção, não vêm à Cúpula dos Povos? Aqui é que será discutida a verdadeira economia verde”, disse.

Mooney também criticou a proposta de desenvolvimento de novas tecnologias e privatização dos bens comuns na forma como é apresentada pela ONU, e lembrou que as três maiores empresas do ramo de biotecnologia (Dupont, Monsanto e Syngenta) detém atualmente 52% das sementes comercializadas em todo o mundo.

“Privatizar a natureza”

Para o presidente da CUT, Artur Henrique, a humanidade não pode persistir em um modelo econômico que não privilegia o bem comum: “Temos que mudar o modelo de produção e consumo hoje predominante no planeta. Isso tem que ser falado claramente pela ONU”, exigiu. O sindicalista, que antes da Cúpula dos Povos participou de um encontro com 500 dirigentes sindicais de todo o mundo, criticou a recusa dos países ricos em aceitar na Rio+20 a adoção de mecanismos de financiamento para que os países mais pobres possam enfrentar o aquecimento global e outros problemas ambientais: “O sistema internacional tem dinheiro para salvar os bancos, mas não para salvar os seres humanos”, disse.

Dirigente da organização Global South e ex-embaixador da Bolívia na ONU, Pablo Solón fez o discurso mais contundente da noite e acusou Steiner e o Pnuma de não estarem sendo sinceros: “Por trás do conceito de economia verde está a intenção de assumir que a natureza é um capital e introduzi-la no mercado”. O boliviano criticou mecanismos como os créditos de carbono e o REDD (certificado por emissão evitada): “Para quê querem quantificar a emissão evitada? Para gerar bônus que, na prática, significam uma permissão para os ricos continuarem poluindo”.

Solón defendeu a taxação das operações financeiras internacionais como forma de gerar recursos para um fundo ambiental global e afirmou que a Rio+20 está cooptada pelas empresas transnacionais: “Diante dessa cooptação, não podemos permitir que o Pnuma seja transformado em uma agência especializada para conduzir o processo de privatização da natureza”, disse.

Defesa de Steiner

Após escutar os ambientalistas, Achim Steiner se defendeu e afirmou que o Pnuma também luta para mudar os paradigmas econômicos do planeta: “O Pnuma não defende a privatização da natureza. O que dizemos é praticamente o contrário disso. Dizemos que, se os mercados forem entregues à lei da oferta e da procura, não vamos resolver o problema ambiental da humanidade. Estamos sendo quase a antítese do mundo de hoje”, disse, antes de convocar os ambientalistas a “enfrentar o inimigo comum” representado pelo modelo econômico dominante: “A Cúpula dos Povos tem que apontar o alerta vermelho sempre que o desenvolvimento sustentável estiver ameaçado”.

Steiner, no entanto , reconheceu que há falhas no processo de construção da economia verde: “Existem visões muito diferentes sobe a economia verde. É uma discussão imperfeita, realizada por duzentas nações. O Pnuma trabalha com interesses diversos e até contraditórios. Temos escolhas muito complexas a fazer”, disse.

O diretor-geral do Pnuma também reconheceu que o balanço ambiental desde a Rio-92 é negativo: “Também estou frustrado porque o desenvolvimento sustentável não avançou nos últimos vinte anos. E, se olharmos os motivos do fracasso, veremos que têm a ver com o paradigma econômico”, disse. Apesar dos apelos à conciliação, no fim do debate Steiner foi vaiado pela maioria das 300 pessoas que lotavam a tenda da Plenária 2 da Cúpula dos Povos.

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