‘Sinceramente’, produção independente de Sérgio Sampaio, é relançado

Talvez você nunca tenha ouvido falar no cantor e compositor Sérgio Sampaio. Ou então só ouviu falar do maior sucesso dele, “Eu quero botar meu bloco na rua”, que é […]

Talvez você nunca tenha ouvido falar no cantor e compositor Sérgio Sampaio. Ou então só ouviu falar do maior sucesso dele, “Eu quero botar meu bloco na rua”, que é também o nome do primeiro disco, lançado em 1973. Em 1976, ele gravou “Tem Que Acontecer” e, em 1982, seguiu o modelo da produção independente, e colocou no mercado “Sinceramente”. Porém, desde então, ele descobriu como a música brasileira pode ser cruel. Caiu em profundo ostracismo e morreu em 1994, sem lançar o tão sonhado quarto álbum, “Cruel”, que só veio à tona em 2006 por insistência de Zeca Baleiro, que o produziu e lançou pelo selo Saravá Discos, o mesmo que relança agora o terceiro trabalho.

A premonição do que aconteceria já se manifestava na ótima faixa de abertura, “Homem de Trinta”: “Quase que eu fui pro buraco, / Por pouco não fui morar no porão, / Dancei, mas não sei não, / Tive cuidado de ter os pés / Quase sempre no chão / E a cabeça voando / Como se voa na imaginação”. Porém, a obra-prima é mesmo “Nem Assim”, que faz uma fantástica caricatura da mulher abandonada: “Pode inventar mentiras e até publicar, Que eu não sirvo mesmo pro amor, / Que eu sou um narcisista e mau compositor /… / Pode fazer comício nas praças do Rio / Em nome da dignidade da mulher, / Mostrar pra todo mundo as marcas / Que eu não fiz, /… / Você pode dizer o que quiser de mim… / Nem assim”. Espécie de complemento é “Faixa Seis”: “Você hoje pra mim / É a faixa seis / Do lado ‘B’ / Do meu último elepê / Aquela que o programador de rádio nunca toca / Aquela que o divulgador do disco evita / Aquela que fica espremida entre a quinta… /A quinta faixa e o final da fita”.

Ao escutar o álbum, é possível reconhecer a injustiça cometida pela indústria fonográfica voraz que não reconhece a força de boleros como “Tolo Fui Eu”, por exemplo, é arrasador: “Tolo fui eu / Quando em vão quis lhe dar meu amor / Que você nem sentiu, nem ligou / Mas aí pude ver meu valor, / Compreender que a razão de viver / É maior do que ter ou querer / Se você não quis ser minha razão, / Tola você”. O tormento segue na desbragada “Só Para o Seu Coração”, que parece um misto de Caetano Veloso com Eduardo Dussek.

A produção independente fica clara ao se saber que ele contou com a ajuda da família da esposa, Angela Breitschaft. O pai dela bancou o disco e o irmão Paulo fez as fotos da capa em Teresópolis. Certamente, eles não se arrependeram ao escutarem uma canção de extrema força dramática, como “Essa Tal de Mentira”: “De novo recomeçar, / Outra vez acreditar, / Compor, escrever, cantar, / Por música no ar…”. Tem um quê de Gonzaguinha e poderia – se é que não o fez – muito bem ter influenciado Chico César no modo de cantar. Mas nem tudo é tão desesperado. A prova é a animadinha “Meu Filho, Minha Filha”.

O único parceiro de Sérgio Sampaio nesse álbum é Sérgio Natureza, na balada “Cabra Cega”, que é sublime, graças ao saxofone tocado por Oberdam Magalhães e à letra que remete ao delírio coletivo e aos discos voadores. Nada mais setentista. A influência de Caetano Veloso também é nítida. Já Luiz Melodia participa do samba em homenagem a ele, “Doce Melodia”. Mas a proposta do álbum fica explícita mesmo é na faixa-título: “Não há nada mais bonito / Do que independente / E poder se conquistar, / Sair, chegar, / Assim tão simplesmente /… / Não há nada mais sozinho / Do que ser inteligente / E poder cantarolar, / Errar, desafinar / Assim sinceramente”.

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